Animais vivos em chaveiros de plástico



Imagine você escrever textos a partir de pensamentos, como se tivesse as teclas ctrl c embutidas no cérebro. Todos os dias, de manhã, quando me dirijo ao trabalho pelos 25 km de uma estrada bucólica, meus pensamentos parecem mais interessantes, dignos de nota. Como ainda não possuo as tais teclas, à noite, a folha em branco (desculpe, tela) parece ridicularizar da minha falta de memória ou, pior, criatividade.


Há pouco tempo coloquei um portão eletrônico e aumentei a altura das grades em frente a minha casa. Para oferecer mais segurança aos meus pais e evitar acidentes, não somente para dificultar assaltos, ou algo assim. Obviamente, também aumentei meu conforto, pois não preciso mais abrir e fechar portão sob chuva ou embriaguez (rs). Com o passar do tempo, percebi que essas grades aumentaram a distância entre nós e os vizinhos. Ao passar pelo portão e acionar o controle remoto, garanto simultaneamente comodidade e privacidade. Esta última, artigo de luxo no interior - embora devesse ser direito de todos, não só nas cidades grandes. Viver em uma cidade pequena, culturalmente, significava proximidade maior entre as pessoas. Liberdade para sentar-se com a família na calçada e interagir com os vizinhos, assistindo às brincadeiras de rua da criançada, enquanto, geralmente, se comentava a vida alheia. Tudo isso sem medo. Atualmente, estamos mais civilizados ou massificados? Mais seguros ou neuróticos? É mesmo possível preservar a privacidade nas redes sociais ou vivemos em uma aldeia global?


Os presídios estão superlotados, as calçadas vazias. E a violência continua avançando, ameaçadora, gargalhando das grades e dos portões. Essa é a tônica desse mundo caótico que criamos. Assisti pela TV à posse do jurista Luiz Facchi, como ministro do STF. Discurso hipócrita e adequado ao cargo: triste de se ouvir. A família, a propriedade e a tradição - tão defendidos por ele -, foram comprovadamente ineficazes para combater o avanço da violência ou atender a demanda de um mundo que não para de mudar (parafraseando o slogan da Escola Interativa). Precisamos de menos discursos, mais atitudes criativas, abolindo de vez os preconceitos.


Há menos de meio século, mulheres desquitadas eram mal vistas pela sociedade. Hoje em dia, nem existe mais “desquite”, quiçá sociedade. Houve uma mudança comportamental tremenda. Embora a família continue sedutora porque, ao contrário dos portões eletrônicos, supostamente é o lugar onde as pessoas estão unidas pelos laços do amor, ela está cada vez mais diversificada. Mas o amor também oferece segurança, extrapolando o limite de lares, municípios, países e, por que não, casamentos? O amor liberta. Se houvesse mais amor não haveria guerras. Haveria menos presídios, e, talvez - que ironia, menos casamentos. Seríamos livres, sem padrões preestabelecidos, como tudo deveria ser. O filho do vizinho seria amado ou, ao menos, respeitado por todos. Estaríamos livres para experimentar desejos, sem medo das consequências de errar. Usaríamos o controle remoto dos nossos desejos e da ética.


As gerações mais recentes nasceram prontas, sem preconceitos e tecnologicamente mais sábias, conectadas (embora não brinquem de pique com as crianças da vizinhança ou subam em pés de jabuticaba). Mas ainda guardo resquícios de uma educação conservadora. Passo vontades, acionando o controle remoto, mesmo sonhando com um mundo sem portões, onde o respeito ao próximo e a satisfação pessoal convivam em harmonia, sem hipocrisias. Repleto de indivíduos plenos e mais felizes (e com água em abundância, pois quem ama verdadeiramente o próximo, também respeita a natureza e todos os seres que nela habitam). Seria mágico, como neste vídeo:


Hoje, dia 7 do 7 de 2015, faz vinte e oito anos que entrei, pela primeira vez, na instituição em que trabalho. Oito anos depois do início, entrei num plano de demissão voluntária e saí por aí, em busca de autoconhecimento, pessoal e profissional. Muita água rolou sob a ponte, sem nenhum racionamento, até meu retorno 25 anos depois. Não estou alegre, é certo, mas por que razão eu haveria de estar triste? Já dizia o poeta que o mar da história é agitado...

Recebi um e-mail do site Olhar Animal com o título: Animais vivos são vendidos no  interior de chaveiros de plástico. Na minha já referida estrada bucólica, vejo diariamente animais mortos na pista - gatos, cachorros, quatis, siriemas, passarinhos, etc. Infelizmente, tive a oportunidade de presenciar um atropelamento, em que o motorista não diminuiu a velocidade ou tentou desviar do bichinho, tampouco parou para tentar socorrê-lo. Talvez, você leitor, me considere uma idiota romântica. Mas afirmo que idiota é um ser humano que trata os demais seres da natureza com desprezo. Porque, certamente, esse tipo de gente também despreza seus semelhantes. Na praça da cidade onde trabalho vejo muitos cães abandonados. Por lá, é comum esses animais serem mortos por envenenamento. Sobra até para animais com donos. É uma triste realidade. O cãozinho desta foto tem poucos meses. Está a procura de um lar.



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