prosa com sabor de fubá
Maria Ávila Damitto nasceu na fazenda Beleza, zona rural de Guapé, em 08.03.21, segunda filha de Augusto Pires de Ávila e Maria Augusta Lara. Da roça, dona Maria conserva o linguajar e o humor caipira. A prosa dela tem sabor de fubá feito no moinho, cheiro de lamparina com querosene. Um estilo de vida que se foi com a chegada da energia elétrica de Furnas. Como ela mesma diz, a cidade velha foi inundada, Furnas construiu outra Guapé, onde tem turistas que não é brincadeira: “Hoje em dia é só carro e caminhão na estrada, nada de cavalo.” Desde abril de 1939, Maria vive em Guaxupé, onde criou seus seis filhos. Ela conta que seu casamento com um guaxupeano aconteceu por causa de um balde d’água.
“Meu pai era agricultor. Mamãe, além dos serviços domésticos, era tecedeira, uma rainha no tear, fazia o que queria. Ela plantava algodão, colhia, tirava os caroços, cardava, fiava na roda e fazia os novelos com a linha e, também, com a lã dos carneiros que criava na fazenda. Ela punha a gente pra ajudar, eu e minhas três irmãs, Geralda, Conceição e Inês. Eu tinha um medão dos mandruvás nos pés de algodão.
Eu ajudava a cuidar dos porcos, das vacas, galinhas, dos carneiros, carregava água do rego, pois não havia água encanada na nossa fazenda; arrumava a cozinha, socava café e arroz no monjolo, fazia fubá no munho d’água. Os vizinhos nos davam milho em troca de fubá. Gostava de ajudar meus pais, não escolhia serviço. Era muita esperta e falante, as pessoas gostavam de mim.
Aos domingos, a gente não trabalhava. Os empregados da fazenda tiravam leite das vacas para o consumo das suas famílias e doavam o restante para os pobres. Papai, muito religioso, não perdia as missas de domingo. Ia para Guapé, a cavalo, com nosso irmão de criação, Geraldo. As mulheres ficavam em casa, descansando.
Eu brincava de casinha com as filhas dos sitiantes vizinhos. Os campos davam muitas frutas, para nós era uma festa. Minha mãe ia junto, na frente, não tinha medo de bicho. A gente chupava jabuticaba, caju, bacopari, araçá, gabiroba, maminha de cadela. Na nossa fazenda havia muitas mangueiras, mas preferia as mangas dos vizinhos. Criança é muito gulosa, não fica com a boca fechada.
Meu bisavô paterno, Francisco Rodrigues Pires de Ávila, imigrante espanhol, tinha escravos, eles que plantaram as árvores frutíferas da nossa fazenda. A abolição da escravatura aconteceu quando meu avô, Venceslau, era meninote. Maria Joaquina, ex-escrava da fazenda, foi como uma mãe para meu pai, pois minha avó morreu muito cedo. Quando minhas irmãs e eu éramos crianças e mamãe saía, Maria Joaquina fazia companhia pra gente.
Minha avó materna, Maria Amélia Alves, também era fazendeira. A fazenda dela, a Barreiro, ficava mais próxima da cidade. Quando aconteciam as festas da igreja, ela mandava nos buscar para ajudarmos a preparar os quitutes, como doces, bolo, biscoitos, pães e pão de queijo.
Aos domingos, a gente levantava cedo, tomava café, e depois, ia a pé para a missa das dez. Era uma hora de caminhada até a igreja. Depois do almoço, a gente brigava com os queijos: batia a massa com as mãos até dar liga para enformar. Toda noite, sem minha avó mandar, rezávamos o terço com ela. Era aquele respeito, todo mundo em silêncio dentro do quarto dela.
No dia seguinte, de volta ao fogão à lenha, uma hora fazia um caldeirão de doce de pêssego, noutra, de goiabada. Minha vó tinha galinha pra todo lado, eu entrava debaixo do porão escuro com a lamparina e uma cuia para pegar os ovos. A vida na roça era apertada. Eu sabia fazer de tudo. E gostava, fazia todos os serviços brincando.
Eu era Filha de Maria. Durante a procissão da ressurreição de Cristo, na Semana Santa, a praça em frente à igreja ficava cheia. Quando via o dia amanhecendo e o menininho chegando com a bandeirinha branca da paz de Cristo, eu até chorava de alegria.
Vida simples, mas farta
Naquele tempo não havia luz elétrica, apenas lamparina com querosene. Papai pescava no rio Grande, quando visitava a fazenda Mundo Novo, do meu avô, próxima ao rio. Trazia peixes para casa, que mamãe abria, limpava, punha para secar e guardava na despensa. Tinha peixe o ano inteiro. Papai matava uma vaca por ano, para nosso gasto. A carne ficava conservada na gordura de porco.
Mamãe também secava a carne de vaca no varal, depois fritava e amassava no pilão com farinha de milho, pra fazer farofa, que a gente comia com arroz e feijão. Tudo muito grosseiro, mas com fartura.
Não fiz o primário. Meu pai não queria ir pra cidade, nem gostava que a gente ficasse na casa dos outros. Aprendi a ler e a escrever aos pouquinhos, com minha irmã e com algumas professoras que ficaram pouco tempo na roça.
Minha irmã, Geralda, se casou com um moço de Guaxupé, José Marinho, e veio morar na Rua do Taboão. Ela ficou aqui somente um ano, mas nesse tempo, cheguei a ficar na casa dela três meses. Ela estava na fazenda e meu cunhado foi nos buscar. Viajamos no caminhão velho do seo Vicente Calicchio, que foi a Guapé entregar um fogão, junto com seu filho, Alfredo. Nossa viagem, debaixo de chuva, na estrada de terra enlameada durou dezoito horas, chegamos ao final da noite de sábado. Descansamos domingo o dia inteiro.
Na segunda, fui ajudar minha irmã a tirar água da cisterna pra lavar roupa e o balde caiu no poço. Ela pediu que eu fosse buscar meu cunhado no trabalho, no atacado do Moisés Farah. Atravessei a cidade com vergonha e medo, porque não conhecia nada. Ao passar pela Casa Mineira, do seo João Negrão, notei que um moço barbudo me olhava, mas não dei confiança, pensei que fosse casado.
Na volta, quando passei novamente em frente à loja, meu cunhado me apresentou ao moço, que nos esperava no mesmo lugar. Ele se chamava Fioravante Damitto, caixeiro-viajante do seo João. Na verdade, o nome de batismo dele era Ângelo. Aos pouquinhos, fomos nos encontrando, começamos a namorar. Voltei a Guapé e ele foi me visitar umas três vezes. Após dois anos, em 19.04.39, nos casamos na casa do padre João Oeninng. Ele estava doente, levantou da cama pra fazer nosso casamento.
Vida nova em Guaxupé
No início, meu marido e eu íamos muito ao circo, era um ambiente alegre, gostava dos palhaços e do teatro. Em um ano de casados construímos nossa casa própria, com oito conto de réis, na Rua dos Macedos (hoje Abud Farah). Não havia forro no teto. O Fioravante encomendou madeira para fazer apenas o forro do quarto, pois não tinha dinheiro para forrar a casa inteira. O dono da loja, José Faria, mandou toda a madeira, disse para meu marido pagar quando pudesse.
Em abril de 1940 nasceu nosso primeiro filho, Nei. Três anos depois veio Nilza. Em 44, Nilma, em 46, Nelson, em 50, Ângelo e, em 52, a caçula, Nídia. Depois de um ou dois anos de casados, meu marido abriu sua própria loja de tecidos, a Casa Popular, e a nossa vida foi melhorando. A loja está aí até hoje, comprada do pai pelo Nei.
Aos cinco anos, mais ou menos, Nilma sofreu um acidente. Ela estava brincando de casinha com duas amiguinhas. Pegou a caixa de fósforos, escondido da empregada, para acender seu fogãozinho de tijolo. Pegou fogo no vestido dela. Ouvi a empregada gritando e desci, correndo, a escada que levava ao quintal. Por sorte havia um cobertor no varal que peguei e enrolei sobre minha filha. Dr. Dolor teve um trabalhão para curar as feridas na perna dela.
Nas férias escolares, viajávamos com nossos filhos para a fazenda em que nasci. Com o tempo ela ficou maior, pois papai comprou muitas terras. Pra mulher, terra não vale nada, melhor seria se tivesse colocado a gente na escola, o estudo vale muito mais, eu poderia ter sido professora. Mas ele era muito simples, achava que a terra valia mais que tudo.
Papai ficou apaixonado quando Furnas inundou um pedaço bom da fazenda. A hidrelétrica consertou muita coisa, mas atrapaiou outras. Inundou parte da fazenda da vovó, também. Cobriu até o munho e o açude onde pescavam peixes. Antes de morrer, meu pai dividiu a fazenda Beleza entre as filhas. Eu vendi minha parte e ajudei meu marido a construir a casa onde moro, hoje em dia, com Nelson, meu filho.
Um punhadão de anos
Nunca fui de viajar. Visitei minha filha, Nilza, em Maringá. Nídia, que morou em São Paulo. Minha irmã, Conceição, em Belo Horizonte. Minha irmã Inês, em Passos. E um amigo da família, em Cruzeiro, SP. Em 1977, perdi meu marido e, há quatro anos, minha filha caçula, ambos com câncer. A gente tem que aproveitar enquanto pode, não sabe o que vai passar no fim da vida. O começo é mais fácil, a juventude tem muita força.
Eu trabalhei muito, fiz crochê, tricô e bordados. Hoje, fuço aqui e ali pra matar o tempo. Sou devota das almas, tenho fé. O dia da morte chega, a gente vai mesmo. Tenho medo é de doença e ladrão. Agora, tomei medo de borsa. Guardei todas as minhas borsinhas. Tinha uma amigona que sempre me visitava. Um dia, em Campinas, ela não quis entregar sua borsa prum ladrão, que a empurrou. Ela caiu, batendo a cabeça. Ficou meses em coma, até morrer.
Eu participava de um grupo de oração com a Rafaela, Nininha e Cida, cada vez na casa de uma. No dia oito de cada mês, ainda recebo Nossa Senhora em casa. Antes, este dia era uma festa, minhas amigas, Lourdes, Lena, Elza, rezavam o terço comigo. Depois, a gente tomava um café reforçado e conversava até o final da tarde. Atualmente, tudo mudou. Aos domingos, assisto à missa na TV Aparecida, de manhã. Às 18h, ouço a missa na Rádio Clube, com padre Ronaldo e João Batista. Eles falam muito acertado.”
Como diz dona Maria, de punhadinho em punhadinho, se faz um punhadão: Ela tem onze netos e dez bisnetos. Há dois meses, começou a sentir dores nas pernas que a impedem de caminhar sozinha. Precisou interromper as visitas que gostava de fazer às amigas, aos enfermos da Santa Casa e aos idosos do Lar São Vicente. Mesmo assim, diz que a vida tem altos e baixos, mas é muito boa: “Agora, entreguei a paia com a rapadura, não tenho mais a resistência da juventude.” Mas continua tomando um gole de cachaça antes do almoço, hábito que adquiriu com o marido, após o casamento.
Fotos:
1) Em 1937, Augusto e Maria Augusta com as filhas Inês (colo), Conceição, Maria e Geralda. À esquerda, o afilhado de Augusto, Antônio, e o filho de criação, Geraldo.
2) Maria, com os filhos Ângelo (Ju), Nei, Nídia, Nilza e Nelson.
3) Em 1968, Fioravante e Maria na formatura de Nelson (à esq.), no Cine São Carlos.
4) Na cozinha da sua casa, Maria, em pé, com Nelson, Nilza, Guinho (neto), Luiz Roberto (genro) e o amigo Salvinho.
Apoio cultural:
“Meu pai era agricultor. Mamãe, além dos serviços domésticos, era tecedeira, uma rainha no tear, fazia o que queria. Ela plantava algodão, colhia, tirava os caroços, cardava, fiava na roda e fazia os novelos com a linha e, também, com a lã dos carneiros que criava na fazenda. Ela punha a gente pra ajudar, eu e minhas três irmãs, Geralda, Conceição e Inês. Eu tinha um medão dos mandruvás nos pés de algodão.
Eu ajudava a cuidar dos porcos, das vacas, galinhas, dos carneiros, carregava água do rego, pois não havia água encanada na nossa fazenda; arrumava a cozinha, socava café e arroz no monjolo, fazia fubá no munho d’água. Os vizinhos nos davam milho em troca de fubá. Gostava de ajudar meus pais, não escolhia serviço. Era muita esperta e falante, as pessoas gostavam de mim.
Aos domingos, a gente não trabalhava. Os empregados da fazenda tiravam leite das vacas para o consumo das suas famílias e doavam o restante para os pobres. Papai, muito religioso, não perdia as missas de domingo. Ia para Guapé, a cavalo, com nosso irmão de criação, Geraldo. As mulheres ficavam em casa, descansando.
Eu brincava de casinha com as filhas dos sitiantes vizinhos. Os campos davam muitas frutas, para nós era uma festa. Minha mãe ia junto, na frente, não tinha medo de bicho. A gente chupava jabuticaba, caju, bacopari, araçá, gabiroba, maminha de cadela. Na nossa fazenda havia muitas mangueiras, mas preferia as mangas dos vizinhos. Criança é muito gulosa, não fica com a boca fechada.
Meu bisavô paterno, Francisco Rodrigues Pires de Ávila, imigrante espanhol, tinha escravos, eles que plantaram as árvores frutíferas da nossa fazenda. A abolição da escravatura aconteceu quando meu avô, Venceslau, era meninote. Maria Joaquina, ex-escrava da fazenda, foi como uma mãe para meu pai, pois minha avó morreu muito cedo. Quando minhas irmãs e eu éramos crianças e mamãe saía, Maria Joaquina fazia companhia pra gente.
Minha avó materna, Maria Amélia Alves, também era fazendeira. A fazenda dela, a Barreiro, ficava mais próxima da cidade. Quando aconteciam as festas da igreja, ela mandava nos buscar para ajudarmos a preparar os quitutes, como doces, bolo, biscoitos, pães e pão de queijo.
Aos domingos, a gente levantava cedo, tomava café, e depois, ia a pé para a missa das dez. Era uma hora de caminhada até a igreja. Depois do almoço, a gente brigava com os queijos: batia a massa com as mãos até dar liga para enformar. Toda noite, sem minha avó mandar, rezávamos o terço com ela. Era aquele respeito, todo mundo em silêncio dentro do quarto dela.
No dia seguinte, de volta ao fogão à lenha, uma hora fazia um caldeirão de doce de pêssego, noutra, de goiabada. Minha vó tinha galinha pra todo lado, eu entrava debaixo do porão escuro com a lamparina e uma cuia para pegar os ovos. A vida na roça era apertada. Eu sabia fazer de tudo. E gostava, fazia todos os serviços brincando.
Eu era Filha de Maria. Durante a procissão da ressurreição de Cristo, na Semana Santa, a praça em frente à igreja ficava cheia. Quando via o dia amanhecendo e o menininho chegando com a bandeirinha branca da paz de Cristo, eu até chorava de alegria.
Vida simples, mas farta
Naquele tempo não havia luz elétrica, apenas lamparina com querosene. Papai pescava no rio Grande, quando visitava a fazenda Mundo Novo, do meu avô, próxima ao rio. Trazia peixes para casa, que mamãe abria, limpava, punha para secar e guardava na despensa. Tinha peixe o ano inteiro. Papai matava uma vaca por ano, para nosso gasto. A carne ficava conservada na gordura de porco.
Mamãe também secava a carne de vaca no varal, depois fritava e amassava no pilão com farinha de milho, pra fazer farofa, que a gente comia com arroz e feijão. Tudo muito grosseiro, mas com fartura.
Não fiz o primário. Meu pai não queria ir pra cidade, nem gostava que a gente ficasse na casa dos outros. Aprendi a ler e a escrever aos pouquinhos, com minha irmã e com algumas professoras que ficaram pouco tempo na roça.
Minha irmã, Geralda, se casou com um moço de Guaxupé, José Marinho, e veio morar na Rua do Taboão. Ela ficou aqui somente um ano, mas nesse tempo, cheguei a ficar na casa dela três meses. Ela estava na fazenda e meu cunhado foi nos buscar. Viajamos no caminhão velho do seo Vicente Calicchio, que foi a Guapé entregar um fogão, junto com seu filho, Alfredo. Nossa viagem, debaixo de chuva, na estrada de terra enlameada durou dezoito horas, chegamos ao final da noite de sábado. Descansamos domingo o dia inteiro.
Na segunda, fui ajudar minha irmã a tirar água da cisterna pra lavar roupa e o balde caiu no poço. Ela pediu que eu fosse buscar meu cunhado no trabalho, no atacado do Moisés Farah. Atravessei a cidade com vergonha e medo, porque não conhecia nada. Ao passar pela Casa Mineira, do seo João Negrão, notei que um moço barbudo me olhava, mas não dei confiança, pensei que fosse casado.
Na volta, quando passei novamente em frente à loja, meu cunhado me apresentou ao moço, que nos esperava no mesmo lugar. Ele se chamava Fioravante Damitto, caixeiro-viajante do seo João. Na verdade, o nome de batismo dele era Ângelo. Aos pouquinhos, fomos nos encontrando, começamos a namorar. Voltei a Guapé e ele foi me visitar umas três vezes. Após dois anos, em 19.04.39, nos casamos na casa do padre João Oeninng. Ele estava doente, levantou da cama pra fazer nosso casamento.
Vida nova em Guaxupé
No início, meu marido e eu íamos muito ao circo, era um ambiente alegre, gostava dos palhaços e do teatro. Em um ano de casados construímos nossa casa própria, com oito conto de réis, na Rua dos Macedos (hoje Abud Farah). Não havia forro no teto. O Fioravante encomendou madeira para fazer apenas o forro do quarto, pois não tinha dinheiro para forrar a casa inteira. O dono da loja, José Faria, mandou toda a madeira, disse para meu marido pagar quando pudesse.
Em abril de 1940 nasceu nosso primeiro filho, Nei. Três anos depois veio Nilza. Em 44, Nilma, em 46, Nelson, em 50, Ângelo e, em 52, a caçula, Nídia. Depois de um ou dois anos de casados, meu marido abriu sua própria loja de tecidos, a Casa Popular, e a nossa vida foi melhorando. A loja está aí até hoje, comprada do pai pelo Nei.
Aos cinco anos, mais ou menos, Nilma sofreu um acidente. Ela estava brincando de casinha com duas amiguinhas. Pegou a caixa de fósforos, escondido da empregada, para acender seu fogãozinho de tijolo. Pegou fogo no vestido dela. Ouvi a empregada gritando e desci, correndo, a escada que levava ao quintal. Por sorte havia um cobertor no varal que peguei e enrolei sobre minha filha. Dr. Dolor teve um trabalhão para curar as feridas na perna dela.
Nas férias escolares, viajávamos com nossos filhos para a fazenda em que nasci. Com o tempo ela ficou maior, pois papai comprou muitas terras. Pra mulher, terra não vale nada, melhor seria se tivesse colocado a gente na escola, o estudo vale muito mais, eu poderia ter sido professora. Mas ele era muito simples, achava que a terra valia mais que tudo.
Papai ficou apaixonado quando Furnas inundou um pedaço bom da fazenda. A hidrelétrica consertou muita coisa, mas atrapaiou outras. Inundou parte da fazenda da vovó, também. Cobriu até o munho e o açude onde pescavam peixes. Antes de morrer, meu pai dividiu a fazenda Beleza entre as filhas. Eu vendi minha parte e ajudei meu marido a construir a casa onde moro, hoje em dia, com Nelson, meu filho.
Um punhadão de anos
Nunca fui de viajar. Visitei minha filha, Nilza, em Maringá. Nídia, que morou em São Paulo. Minha irmã, Conceição, em Belo Horizonte. Minha irmã Inês, em Passos. E um amigo da família, em Cruzeiro, SP. Em 1977, perdi meu marido e, há quatro anos, minha filha caçula, ambos com câncer. A gente tem que aproveitar enquanto pode, não sabe o que vai passar no fim da vida. O começo é mais fácil, a juventude tem muita força.
Eu trabalhei muito, fiz crochê, tricô e bordados. Hoje, fuço aqui e ali pra matar o tempo. Sou devota das almas, tenho fé. O dia da morte chega, a gente vai mesmo. Tenho medo é de doença e ladrão. Agora, tomei medo de borsa. Guardei todas as minhas borsinhas. Tinha uma amigona que sempre me visitava. Um dia, em Campinas, ela não quis entregar sua borsa prum ladrão, que a empurrou. Ela caiu, batendo a cabeça. Ficou meses em coma, até morrer.
Eu participava de um grupo de oração com a Rafaela, Nininha e Cida, cada vez na casa de uma. No dia oito de cada mês, ainda recebo Nossa Senhora em casa. Antes, este dia era uma festa, minhas amigas, Lourdes, Lena, Elza, rezavam o terço comigo. Depois, a gente tomava um café reforçado e conversava até o final da tarde. Atualmente, tudo mudou. Aos domingos, assisto à missa na TV Aparecida, de manhã. Às 18h, ouço a missa na Rádio Clube, com padre Ronaldo e João Batista. Eles falam muito acertado.”
Como diz dona Maria, de punhadinho em punhadinho, se faz um punhadão: Ela tem onze netos e dez bisnetos. Há dois meses, começou a sentir dores nas pernas que a impedem de caminhar sozinha. Precisou interromper as visitas que gostava de fazer às amigas, aos enfermos da Santa Casa e aos idosos do Lar São Vicente. Mesmo assim, diz que a vida tem altos e baixos, mas é muito boa: “Agora, entreguei a paia com a rapadura, não tenho mais a resistência da juventude.” Mas continua tomando um gole de cachaça antes do almoço, hábito que adquiriu com o marido, após o casamento.
Fotos:
1) Em 1937, Augusto e Maria Augusta com as filhas Inês (colo), Conceição, Maria e Geralda. À esquerda, o afilhado de Augusto, Antônio, e o filho de criação, Geraldo.
2) Maria, com os filhos Ângelo (Ju), Nei, Nídia, Nilza e Nelson.
3) Em 1968, Fioravante e Maria na formatura de Nelson (à esq.), no Cine São Carlos.
4) Na cozinha da sua casa, Maria, em pé, com Nelson, Nilza, Guinho (neto), Luiz Roberto (genro) e o amigo Salvinho.
Apoio cultural:
Comentários
Nada melhor que uma vida bem vivida. Rende boa história para se contar, ouvir, escrever e ler..
Parabéns pelo texto .
Bjos
Ps: meu e-mail:Alessandro@radiodafamiloa.com.br
"Bão dimais um elogio doceis."
beijos