a vaca na selva
Meu gosto por literatura começou cedo, digo, quando tinha menos de dez anos, estimulado por minha mãe e madrinha. Viajei pelos reinos de lindas princesas e outras histórias inusitadas da Enciclopédia da Fantasia, uma coletânea de autores de diversas partes do mundo. Por meio dos livros, conheci Robinson Crusoé, o conde de Monte Cristo, Pollyanna – a menina e a moça. Mas foi um bicho de quatro patas que ganhou minha imensa admiração: a Vaca Voadora, de Edy Lima. Devorei a coleção inteira, voadora, deslumbrada, na selva... Sábado à noite vi uma vaca morrendo depois de ser atropelada na paradoxal selva dos homens - de fibras de automóveis, velocidade e poluição. Houve sangue e leite derramado no asfalto. Incrível o pouco caso com que esses crimes são tratados. Provavelmente, o dono do pasto em que esse animal vivia receberá apenas uma multa, porque além da vaca não houve vítimas. Mas será ele intimado a cercar devidamente sua propriedade para que não receba punição maior, ou pena de prisão, por exemplo? Há um órgão fiscalizador e de prevenção por parte do município, estado ou federação para que eventos como esse não ocorram? Haveria homicídio culposo ou doloso em se tratando de um ser humano contra um animal – irracional, porém capaz de sentir dor? O escritor-pensador-educador Rubem Alves, que morreu há dois dias e ao qual sempre serei grata pelas singelas e pujantes palavras, lembraria o doutor Albert Schweitzer – doutor em Música, Teologia, Filosofia e Medicina: Tudo o que é vivo tem o direito de viver, nenhum sofrimento pode ser imposto sobre as coisas vivas para satisfazer o desejo dos homens – trecho de uma das crônicas de O Amor que Acende a Lua, um lindo livro. E por falar em desejo de homens e mulheres, também é imperdível A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, outro grande escritor que também se foi no último fim de semana, deixando um imenso buraco na literatura nacional. Ou melhor, um buraco na selva.
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