pra-tinha
Acredito na força do verbo, consequentemente, na força daquilo que nomeia os seres animados e inanimados. Santa Cruz do Prata, por exemplo, me remete à um lugar próximo à bacia do rio Prata ou quem sabe, onde foi encravada a cruz de prata de um poderoso guerreiro responsável por alguns pequenos milagres, e onde em torno se iniciou uma povoação. Talvez nenhum significado grandioso tenha o nome do pequeno distrito da vizinha Guaranésia. O fato que me causou tamanha especulação talvez nem seja relevante pra maioria. Mas há uns quarenta dias ou mais notei uma cadela famélica, abandonada em um dos trevos que leva ao referido distrito. Ela seria apenas um dos muitos animais diariamente abandonados na estrada. O fato que chamou minha atenção foi que essa cadelinha, machucada e com sarna, insistentemente sobreviveu onde poucos como ela conseguiram, numa passagem de tratores, caminhões e carros, na grande maioria, em alta velocidade. Aos poucos, passei a observá-la e, logo, a carregar ração e água na esperança de alimentá-la. A bichinha era tão arisca que recusou todas as tentativas de ajuda. Chegava perto apenas o suficiente para devorar a comida. Permanecia nas redondezas na esperança de que seus antigos donos, arrependidos, voltassem para resgatá-la - é surpreendente a firmeza de alguns animais ditos irracionais. Era comum vê-la na beira da estrada esperando seu grande milagre. Durante duas semanas tentei ganhar sua confiança, mas em vão: ela não acreditava em amigos. Tive o prazer de conhecer um morador das redondezas que também a alimentava e logo se prontificou a colaborar comigo no desafio de capturá-la e, depois de tratada, encaminhá-la para um novo lar. Mas não houve tempo. Nossas esperanças foram estraçalhadas ontem, como aconteceu com a corajosa cadelinha atropelada - para alegria de um grupo de urubus, que comeram carne fresca, ainda que não muito farta. Estas linhas são dedicadas à Pratinha, para que sua passagem pela cruz do prata fique, de alguma forma, registrada.
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