da tia fádua a zuzu angel

Tia Fádua viveu numa época em que sírios e libaneses habitavam o mesmo território, todos juntos e misturados no chamado Oriente Médio, tido como berço do cristianismo. Veio para o Brasil em 1922, aos catorze anos, quando conheceu o pai, José Elias, padre fundador da Igreja Ortodoxa em Guaxupé, também segunda maior concentração de emigrantes daquela região no Brasil da época. É muito triste observar o que acontece por lá desde então, uma bárbara cruz vermelha cravada no mapa-múndi. Breves foram os tempos de paz. Com a fundação de Israel, na década de 1940, então, à revelia dos seus já diversificados habitantes, e por países estranhos à região, o desentendimento foi acirrado – pela posição geográfica estratégica, pelo petróleo abundante, entre outras disputas pelo poder. Atualmente, quase cem anos após a saída da minha tia, continua o massacre de civis inocentes em prol de interesses econômicos amparados na ignorância e ganância daqueles povos. Tia Fádua ficaria mortalmente abalada com a situação trágica dos seus conterrâneos. Sorte que ela morreu de velhice mesmo, aos 94 anos. Meu bisavô, padre José Elias, morreu em 1952, deixando para nossa cidade a pequena Igreja Ortodoxa Cristã, fundada por ele na Rua (da) Aparecida. Pelo que sei, o imóvel pertence à matriz situada em São Paulo, tampouco foi tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural de Guaxupé (a não ser que sorrateiramente). Outra prova de que a religião é um poderoso instrumento de manipulação que varia conforme os interesses vigentes. Enquanto a história mundial vem sendo escrita, rastros de sangue pelo caminho revelam a crueldade, ignorância e ganância de diferentes civilizações. No Brasil, a Ditadura foi uma delas. Quando assisti ao filme Zuzu Angel, dirigido por Sérgio Rezende e estrelado por Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira, fiquei impressionada com a determinação da estilista em tentar descobrir e denunciar os assassinos do filho por integrantes do regime militar, cujo cadáver nunca foi encontrado. Ela morreu vítima de um acidente automobilístico suspeito, em que os culpados nunca foram apontados. Somente nesta noite, 25 de julho de 2014, a imprensa revelou a presença de um agente da ditadura, reconhecido por outros crimes contra os direitos humanos, em uma foto da cena do crime já publicada em jornal da época. Mais de quarenta anos depois poderia haver justiça, sendo que a maioria dos culpados está morta ou a caminho? O que poderá atenuar a tristeza dos familiares e amigos envolvidos? Tanta injustiça e descompasso só podem ser momentaneamente atenuados pela beleza da música: de Gal Costa interpretando a trilha sonora do filme; e Yallah, de Jimmy Page e Robert Plant, do inesquecível No Quarter, álbum influenciado pelas sonoridades do Oriente Médio - frequentemente silenciada por bombardeios insanos. É possível descansar em paz, tia Fádua?





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