diário de viagem

Pela primeira vez, a francesa Annie Taron, o espanhol Yannick Taron e a argentina Monserrat Brizuela visitaram o Brasil. As cidades escolhidas foram São Paulo, Guaxupé e Poços de Caldas. O roteiro café com leite foi selecionado pelos amigos que conheceram durante a Marcha Mundial pela Paz, Rodolfo e Ana Lia. Eles acreditam que vir ao Brasil e não visitar o Rio de Janeiro é como ir a Paris e não conhecer a Torre Eiffel. Mas não foi desta vez, por este motivo, pretendem voltar.
Chegaram em Guaxupé na sexta, 20. À noite, curtiram o samba capitaneado por Itamar e Carlão, que acontece às sextas e sábados no bar Galo de Ouro. Curtiram tanto, que voltaram na tarde de sábado, durante a feijoada com samba. Ficariam por lá caso não houvesse o compromisso de viajar até São Pedro da União. A viagem pela estrada de terra seca e poeirenta também foi uma aventura. Lá, aconteceu a estreia do projeto Troque o Giz pela Pipoca itinerante, do Instituto 14 Bis. Um telão, projetor 35mm e poltronas a céu aberto proporcionaram lazer e cultura para uma população sem hábito de frequentar salas de cinema. No intervalo entre as duas sessões, os "turistas" foram à pizzaria Ti João, onde o proprietário informou ser a primeira vez que recebia estrangeiros no seu estabelecimento. Foi uma noite de estreias. Annie conheceu o grupo Sambô, no Clube Guaxupé, que faz uma fusão de rock e samba bastante interessante.
No domingo, 22, teatro, exposição de fotos, contação de histórias e música na Casa da Vó Maria, uma realização da Associação Artístico-cultural Viralatas do Samba. Annie, cantora e violonista, e o filho dela Yannick, percussionista, interagiram com os músicos presentes, uma alegria para todos. Ainda, Annie interpretou canções populares da França, Itália, Líbano e Espanha. Nas paredes, fotos da Marcha Mundial pela Paz durante a passagem pela Argentina.
Ainda, o grupo Passarim, do Instituto Elias José, contou históiras e o Tramas e Dramas, sob a direção de Vanessa Marques, apresentou novamente a peça Esta Propriedade Está Condenada. Atendendo a pedidos, acontecerá uma temporada da peça na Casa da Vó Maria. Aguarde novidades.


































Na pizzaria do Ti João, em São Pedro da União.


Na sexta, roda de samba no Galo de Ouro.








MINHA HISTÓRIA
Entre alguns causos, Magnólia Bárbara Cruvinel conta como chegou de Nova Resende até Guaxupé.



Uma flor que dá prosa


Magnólia Bárbara Cruvinel nasceu em Nova Resende, dia 29.07.26, filha de Antônio Estevão Bueno e Maria José da Conceição. Dos nove filhos do casal vingaram seis, três morreram ainda bebês. Atualmente, são apenas cinco: Maria Bárbara, Magnólia, Adélia, Amélia e Waldemar. Esta simpática senhora sempre preferiu uma boa prosa ao rádio ou televisão. Qualquer folguinha vai pra porta de casa: “Passa um, dou prosa, passa outro, dou prosa, eu adoro.”

“O sobrenome da minha mãe não tem nada a ver com meus avós, é uma homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Mamãe era dona de casa e, papai, comerciante. Ele tinha um armazém de secos e molhados chamado Casa Bueno, que ficava na frente da nossa casa, no centro de Nova Resende. Uma tia solteirona, Rosa, irmã da mamãe, morava com a gente. Toda noite, após o expediente, enquanto ela varria o armazém contava histórias pra mim, Adélia e Amélia. Nós gostávamos de acompanhá-la porque ela nos dava lascas de filé de bacalhau com vinho doce. Um dia, Amélia, mais nova e menos acostumada, tomou vinho demais e ficou cambaleando, tia Rosa precisou levá-la para dormir. A gente gostava daquilo.
Naquele tempo não se costumava brincar fora de casa. Nosso quintal era grande, vivia cheio de primos. A criançada pulava corda, subia em árvores, brincava de casinha. Papai construiu um fogãozinho de tijolos igual aos de verdade. As bonecas eram de pano, confeccionadas pela tia Rosa. Não aconteciam brigas, nossas mães ficavam despreocupadas.

Papai tinha um rádio que ficava num móvel alto, pras crianças não mexerem. Uma noite, a porta da nossa casa estava aberta. Um homem passou e, olhando pra dentro, falou: Nossa, umas pernas tão finas e ele fala tão grosso.
Na medida em que os filhos iam crescendo, papai arrumava afazeres para cada um. Eu ajudava em casa e na loja. Lembro-me de tirar querosene e óleo dos barris para vendê-los a granel.
Achei bom ir pra escola. Comecei o primário em 1934, aos 7 anos, no Grupo Dr. Melo Viana, o único da cidade. Durante os quatro anos, minha professora foi Petrina Ornelas. Não havia muita novidade, a vida era monótona naquele tempo.
Depois do grupo era preciso fazer um teste de admissão para entrar no colégio de Muzambinho. Eu não queria ficar longe dos meus pais e do meu irmão caçula, Waldemar. Não respondi às questões, não passei.
Fiquei um ano estudando para a prova de admissão com professora particular, dona Jaty Cabral. Ela e a irmã, Aracy, eram de Guaxupé e davam aulas em Nova Resende. Em fevereiro de 39, fui aprovada na Escola Normal de Muzambinho.
Éramos 22 internas, incluindo minha irmã, Maria (Zica). Naquela época, condução era mais difícil e cara, não havia transporte público. Por este motivo, não íamos para casa durante a semana santa. A superiora nos levava às missas e, às 20h, íamos dormir.
Em junho, tínhamos 15 dias de férias. Depois, no final das aulas, em novembro, passávamos dezembro e janeiro em casa. Muitas vezes, tivemos que voltar a cavalo de Nova Resende à Jureia, onde pegávamos o trem para Muzambinho.
No internato, num período tínhamos aulas, no outro estudávamos. O recreio era de tardinha, quando podíamos brincar de bola. Depois do jantar, às 18h, estudávamos novamente até o café das 20h. Depois fazíamos nossa higiene pessoal e íamos para o dormitório. As camas ficavam uma ao lado da outra, mas não podíamos conversar com as colegas. Era muito rígido. Naquele tempo, conversava-se pouco, não havia nada pra contar, pois a vidinha era sempre a mesma.

Uma vez, uma colega, Corina, neta do diretor da escola, inventou de furar minhas orelhas. Foi na copa, aqueceu uma agulha no fogo e furou minha 1ª orelha. Na 2ª, encontrou dificuldade e chamou a copeira pra ajudar. Fiquei com dois barbantinhos pendurados em cada uma. Eu tinha duas tranças grandes e, ao pentear o cabelo, o pente embaraçava na linha e doía que era uma coisa. A diretora ficou muita brava com a gente, disse que aquilo poderia infeccionar, mas não deu em nada.
Recebi o diploma no final de 43 (foto) e, em julho de 44, comecei a dar aulas para o 1º ano, como professora substituta, no mesmo grupo que estudei. Um ano depois, fui nomeada professora titular.

À moda do interior
De noite, passeava com minhas primas no jardim. A gente dava voltas somente de um lado da praça, porque do outro ficava a cadeia e tínhamos receio de passar por perto. Havia um lugar que eles chamavam de clube, situado no final de uma ribanceira. Não íamos lá, porque os homens ficavam jogando pingue-pongue e não deixavam as mulheres jogarem.
Havia um moço, João Cruvinel Filho, que era de Guaxupé, e trabalhava no Banco Hipotecário de Nova Resende. Ele morava numa pensão e, todo dia, passava em frente de casa. Eu sabia o horário dele e ficava na porta, esperando. Primeiro, ele passava do outro lado da rua, até que um dia, se aproximou e puxou conversa. Noutra vez, me perguntou se tinha namorado e como disse não, passou a me visitar todas as noites. Com autorização do papai, ele ficava no salão de casa até as 22h. Ficamos nessa vida durante uns três anos.
Nos casamos dia 22.06.50. Em março de 51, nasceu nossa primogênita, Célia. Tive sete filhos em Nova Resende. Somente a caçula, Ana Lúcia, nasceu em Guaxupé, no final de 65. Mesmo com os filhos, continuei lecionando. Naquela época tínhamos três meses de licença-maternidade.
Meu marido foi transferido pra Guaxupé, mas não quis ficar. Voltou pra Nova Rezende e tentou tocar um bar com o irmão, Pedro. Mas não gostaram e logo largaram mão. João chegou a passar num concurso do Banco Moreira Salles de São Sebastião do Paraíso, mas não ficou muito tempo.
Quando o partido do meu pai, a UDN, ganhou as eleições, nomearam João para a coletoria estadual. Nesse trabalho, ele precisava viajar muito. Como não tinha carro e não gostava de dirigir, ia de ônibus: Guaranésia, Arceburgo, Itamogi, Monte Santo, entre outras.
Era difícil cuidar das crianças sem ele. Minha mãe e meus parentes me ajudaram muito pra eu poder lecionar. Minha família sempre foi muito religiosa. Como a vida sem meu marido por perto estava muito difícil, resolvi pedir ajuda ao bispo Dom Inácio. Expus minha situação e ele me pediu que aguardasse, pois encontraria uma solução. Após 20 dias, me avisou que havia conseguido. João foi transferido para a agência de Guaxupé, ocupando o cargo do Zé Naves.
Nos mudamos para uma casa na Vila Rica, em meados de 65. Fui trabalhar no Grupo Barão de Guaxupé, situado perto de casa. Tinha medo de não me sair bem, aqui era uma cidade maior, bem diferente da vidinha anterior. Com toda essa criançada, não pude fazer faculdade à noite, então, não progredi na carreira. Aposentei-me em 71, com 27 anos de serviço.
Meu marido fez carreira. Desta forma, pude me dedicar exclusivamente à família. Os filhos também começaram a trabalhar e a vida ficou mais fácil.
Depois que João se aposentou, continuou fazendo serviço pra muita gente. Viajava sempre aqui por perto, e eu ia junto. Ele gostava muito de comer em bares e lanchonetes. Frequentamos muito o Francisqueti e o Recanto Árabe, perto de casa. Ele adorava comer espetinho e batata frita no Mazuca.
João sofreu um derrame em 2001 e ficou acamado por cinco anos. Nesse período, me dediquei integralmente ao meu marido, que faleceu em outubro de 2005. A vida sem ele ficou muito sem-graça. Meus filhos querem me levar pra passear, mas não vou.
Minha distração é ir a missas. Ainda me sento no mesmo banco que costumava sentar com João. Diariamente, quinze minutos antes do meio-dia, interrompo os preparativos do almoço para assistir à consagração de Nossa Senhora, na TV Aparecida. Depois, retomo os afazeres.
Há pouco tempo, comecei a fazer tricô. Tenho uma rotina bem doméstica. Não posso andar muito ou sair de casa sozinha devido a problemas de saúde. Acho difícil ficar parada, por isso, dou prosa na porta de casa, assim, esqueço os problemas. Graças a Deus, todos os meus filhos estão bem e agradeço por isto. A recompensa que tenho deles é muito boa, uma alegria que a gente tem.”

Os filhos insistem em contratar uma empregada doméstica, mas Magnólia se recusa, prefere fazer os serviços por conta própria. Segundo ela, a vida tem sentido até certo ponto, depois, basta tocar o barco. Compara a vida a uma escada, pra subir é mais difícil, mas pra descer, de qualquer jeito se vai. Se bem que esta senhora, toda prosa, não passa a vida desajeitadamente. É bastante paparicada pelos filhos e netos. Sua casa é rodeada de flores, seu presente preferido.

Fotos:
1) João, Magnólia e os filhos: Célia, Maria Teresa, José Oswaldo, Carlos Alberto, Antônio Carlos, Mariana, João Batista e Ana Lúcia.
2) Magnólia e seus dez netos.


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