o porteiro casadouro

André Zerbini de Paulo nasceu em 10.09.41, em Conceição Aparecida, filho de Pedro Paulo da Silva e Maria do Rosário. Irmão de João, Jorge, José, Maria, Ana e Sebastiana Aparecida. Vive em Guaxupé há cinquenta e um anos, destes, nove no Lar São Vicente, onde se casou, pela primeira vez, aos sessenta e sete anos, enviuvando quatro meses depois. André, o porteiro do “asilo”, é um homem de pouca conversa, mas que adora uma festa, dançar, passear e ouvir música sertaneja. Aos setenta anos, não descarta a possibilidade de um novo matrimônio, caso encontre uma mulher do seu jeito.

“É verdade que nasci na roça, com parteira, pois naquele tempo não havia hospital em Conceição Aparecida. Meu pai trabalhava na roça e minha mãe cuidava da casa. A gente morava no sítio do meu avô materno, Rafael Pereira. Quando ele morreu, fomos morar na cidade.
Fiz o primário completo no Grupo Escolar Tiradentes. Lembro das professoras Maria de Brito e Ana Maria Carvalho. Elas faziam piqueniques com os alunos. A gente era tudo moleque, brincava de trepar nas árvores.
No último ano de escola, comecei a trabalhar depois do almoço na padaria do Bi. Eu ganhava porcentagem na venda de pães. Ajudava o padeiro a cilindrar a massa e enrolar os pães, que eram assados no forno à lenha. Também limpava as cinzas do fogão. Depois do grupo, fui contratado para trabalhar em tempo integral.
Por volta dos dezesseis anos, nos mudamos para Guaranésia, onde fui assistente do seleiro que trabalhava para seo Mário Palaquim. Fazia arreamento de carroça, de cavalo, bainha de faca. No início, tinha muito serviço, nas fazendas usavam carroças puxadas por quatro burros. Com o passar dos anos, a procura por este serviço começou a diminuir, o trator substituiu as carroças, o seleiro se aposentou e seo Mário continuou com seus outros negócios.

Pedreiro em Guaxupé
Em 1960, nos mudamos para Guaxupé. Nesse tempo ainda corria a Mogiana, aqui era uma cidade maior, com mais oportunidades de trabalho. Alugamos uma casa na rua da barreira (que depois veio a se chamar Tancredo Neves), onde havia um posto de fiscalização. Arrumei emprego de servente de pedreiro, com o construtor Gerson Gallatte. Meu primeiro serviço foi na construção da antiga rodoviária. Ali era tudo brejo. Antes da construção, o local já era ponto de ônibus. Durante esse serviço, que durou um ano e pouco, passei de assistente a pedreiro.
Em 1965, fui trabalhar com Vicente Marinelli na construção do prédio dos irmãos Sabbag, onde foi o Banco Nacional, na esquina da avenida com as Pernambucanas. A gente puxava a massa de concreto na carretilha, não tinha elevador e o prédio era alto.
O caminhão dos Sabbag fazia entrega das mercadorias vendidas em seu armazém, em Alterosa e Areado. Muitas vezes, quando faltava ajudante, eu também fazia as entregas. Na volta, parava na antiga estação ferroviária de Areado para pegar as pedras da linha desativada. O caminhão voltava cheio de pedras, que descarregava na britadora da Prefeitura, situada onde hoje é o velório municipal. Depois, as britas eram usadas na construção do prédio.
À noite costumava ir ao cine São Carlos, gostava dos filmes de caubói. Sempre montavam parque ou circo pra baixo do antigo correio, na Rua Mancini. Nos parques, eu gostava de passear na barquinha puxada à corda e, no circo, de ver os palhaços, o teatro e os shows das duplas sertanejas.
Televisão não tinha, então, saía pra rua. Quando não descia pra avenida, depois do serviço jogava futebol com os colegas, até escurecer, num campinho que fizemos no Planalto. Ouvia rádio até a hora de dormir ou ficava conversando na porta de casa.
Por volta de 1971, trabalhei uns dois anos de pedreiro em São Paulo, só que não me acostumei. Meus irmãos Maria e João moravam lá. Trabalhei na Companhia Saad, uma construtora de casas populares no Parque São Rafael. De vez em quando, vinha de ônibus visitar a família, não dava vontade de voltar, mas São Paulo era bom pra ganhar dinheiro. Só que gastava muito, também.
O preço da liberdade
De volta a Guaxupé, continuei fazendo serviços de pedreiro. Alguns anos depois, conheci Sebastiana Balbino de Souza, na avenida. Ela trabalhava de empregada doméstica. Namoramos uns tempos, depois, nos separamos. Eu não tinha muita firmeza, era fuleiro, gostava da minha liberdade, não queria ficar preso a uma namorada. Mas como a gente se gostava, voltamos a nos encontrar e decidimos morar juntos, por volta de 1980.
Aluguei uma casa para nós dois. Minha mãe, que já era viúva, foi morar com minha irmã caçula. Minha mulher deixou de trabalhar fora, passando a cuidar da nossa casa. Ficamos juntos mais de vinte anos, mas não tivemos filhos. Ela tinha uma úlcera de estômago, fazia tratamento médico, acabou falecendo em 2000.
Nessa época, parei de trabalhar de pedreiro. Fiquei uns tempos vendendo os sorvetes do Matias Paiva, com o carrinho pela cidade, e morando com minha irmã Ana, também viúva. Ela tinha um filho pra cuidar e alguns problemas de saúde.
Resolvi procurar o Lar São Vicente. Conversei com seo José Camilo e com a Cristina, eles disseram que eu poderia me mudar para lá. Eu estava com sessenta e um anos, mas só consegui minha aposentadoria, por tempo de serviço, aos sessenta e cinco.
Seo Zé Camilo falou que eu não ia me adaptar, pois gostava de dar meus passeios, de beber umas e outras. Mas era eu que bebia a pinga, não era ela que me bebia. Bebia para me distrair. Vim pra cá, também, pra modi não beber mais. Na rua, sempre encontrava um colega e acabava num bar. Como no Lar eu não podia mais sair sozinho, parei de beber. Tomo remédio para pressão alta, não posso misturar com bebida alcoólica.

Casamento na maturidade
No Lar, depois que eles viram que eu era ajuizado, passaram a permitir minhas saídas. Já fui três vezes para Aparecida do Norte. Mas foi no Lar que conheci Júlia, ela chegou uns dois anos depois de mim. Namoramos uns três anos, até que um dia ela perguntou se eu queria me casar com ela, e eu disse que sim.
Nos casamos apenas no religioso, na igreja do Lar São Vicente, dia oito de dezembro de 2007. Ficamos juntos apenas quatro meses, Júlia faleceu em abril de 2008. Estou chateado até hoje, pois sinto a falta dela. Ela gostava de andar bem-arrumada, era vaidosa. Gostava de bailes e de passear, como eu. Todo domingo, a gente almoçava na casa da irmã dela. Na semana do idoso, fomos três vezes para Poços de Caldas.
Um domingo por mês, no Lar, acontece as tardes dançantes e uma feirinha. Vem muitas mulheres de fora nos visitar, elas convidam a gente para dançar, é muito bom. Antes, eu dançava com a Júlia. Depois que ela morreu, seo Carmo, me convidou para ajudar na portaria: atendo o telefone, abro o portão e dou informações. Sempre tem um companheiro para bater papo, sou amigo de todos. Às seis da tarde, vou para meu quarto, tomo um banho e fico vendo TV até dar sono. Às cinco e meia já estou de pé, pronto para mais um dia.
Gosto de passear, de ver as Companhias de Reis, os desfiles dos blocos de rua no carnaval, de ouvir música sertaneja: falou que é festa, eu gosto. Não descarto a ideia de me casar novamente, caso encontre uma mulher do meu gosto.”
André não faz planos para o futuro, prefere deixar por conta do destino. É homem de falar pouco, mas o suficiente. Costuma receber visitas dos irmãos Ana e Jorge, a caçula já faleceu e os outros três moram longe, em outras cidades.

Fotos:
1) Casamento com Júlia, na igreja do Lar São Vicente, em dezembro de 2007.
2) Em setembro de 2004, durante aula de ginástica, João Cândido, Marcinho (já falecido), André, Lúcia e Janda.
3 ) André, entre seo Carmo, administrador do Lar, e Carlos, agente funerário, e o amigo Benedito Januário, à direita.


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