minha história
Antes de transcrever a reportagem de Minha História, publicada no Correio Sudoeste deste final de semana, uma passagem pelo teatro municipal, onde aconteceu, ontem, um Tributo a Clara Nunes, pelo Quarteto Brasil. No vocal Lourdes Lopes, guaxupeana radicada em São Paulo, acompanhada de Leandro Teco (cavaquinho), Artur Frank (violão) Danilo Selvener e participação especial de Bona, ambos na percussão. Com um repertório infalível e competência dos músicos, foi um show, voltem mais vezes!
MINHA HISTÓRIA
Em dias de Copa do Mundo, nada mais oportuno que contar as memórias do Lotinho, este eterno apaixonado por futebol.
Bola de meia, bola de gude
O guaxupeano Antônio Lepiane Prósperi, Lotinho, nasceu em 09.07.1930, filho de Pedro Prósperi e Julieta Lepiane Prósperi. Moleque cansado das bolas de meias deixava de comprar seus doces preferidos para jogar futebol com uma bola de capotão alugada. Também era habilidoso com bolinhas de gude: “há um menino, há um moleque morando sempre no seu coração.”*
“Quando era pequeno meu pai trabalhava na prefeitura e mamãe era dona de casa. Desde os 6 anos eu tinha paixão por futebol. Abria a porta de casa e o campo estava na minha frente: nossa rua de terra e coberta de mato. A bola era de meia, chutei muita pedra. Primos, amigos e vizinhos do outro lado da rua formavam nosso time.
Dois primos, Nelson (Badão) e Tati eram os craques. Badão era o melhor jogador das redondezas. Morreu aos 17 anos e os médicos não informaram o porquê. Eu e meus companheiros ficamos revoltados com isso, doeu muito na gente, Badão era uma promessa pro futebol. Tati fez carreira, destacando-se no Internacional do Rio Grande do Sul. Depois foi para o Uberaba.
Em 37 comecei a estudar no grupo Delfim Moreira, mas não me adaptei. Recomecei no ano seguinte, no Barão de Guaxupé. Não gostava de estudar, só queria saber de futebol. Na 4ª série me passaram para a classe da professora e minha prima Lila Lepiane, pra ver se meu desempenho melhorava, e graças a ela, deu certo.
Nesse ínterim, descobri que o administrador do estádio municipal, o Barbizan, alugava um pedaço do campo e bolas de capotão remendadas. Pra nós, já estava muito bom. Cada jogador contribuía com 200 réis. Por este motivo, deixei de comprar meus doces preferidos, como pé de moleque, doce de leite com chocolate e picolé de coco queimado do seo Antenor, o sorveteiro que ficava nas portas das escolas com uma carrocinha puxada por um burro.
Do grupo passei para o Ginásio São Luiz Gonzaga. Inicialmente, mulheres e homens estudavam juntos, mas a partir do 3º ano chegaram os padres, ficando nossa turma somente masculina. No recreio, Zé Cury e eu éramos os campeões no jogo de bolinha de vidro na toca. Formava uma roda ao nosso redor, éramos invencíveis.
Nessa época, o professor Alcides Baldini, que foi um paizão para nós, formou um time juvenil da Academia de Comércio São José. Eu e os demais jogadores viajávamos pela região jogando com outros times. Quando Ari, técnico do União, formou um time de profissionais, convidou alguns jogadores da nossa equipe para treinar com eles. Fez o convite a mim. Então, chamei os companheiros mais chegados. Após um ano, o União se tornou Sociedade Esportiva de Guaxupé e nós continuamos no time.
Levei os estudos no rolo, mas me formei no ginasial, em 1946, e entrei na Academia de Comércio. Eu e mais dois amigos fazíamos muita farra. Um grupo de alunos pediu ao diretor José Gonela para nos separar ou expulsar a gente da escola. Não deu em nada, nos formamos em 1949. Eu tinha 19 anos e jogava futebol. Não fui aquele craque, mas realizei minha paixão jogando até os 24 anos.
Há um passado no meu presente*
Ainda nos tempos de mocinho, eu ajudava meu avô Carlos Prósperi no Cine São Carlos. Ele já era idoso, não enxergava bem, mas gostava de ficar na portaria. Vovô vendia a entrada mais barata para quem não tinha o valor total. Eu conferia o dinheiro. Junto com Nabih Zaiat e Kaled Cury fazia a locução do serviço de alto-falantes do cinema anunciando os filmes que iriam passar e os horários das sessões. Quando os dois adquiriram a Rádio Clube nos separamos.
Como eu estava para me casar, arrumei emprego no Banco Hipotecário (que virou BEMGE, depois, Itaú). Conheci minha futura esposa, Maria De Simone, por causa de um álbum de figurinhas. Ficávamos na avenida (Conde Ribeiro do Valle) trocando as repetidas. Passamos a conversar e a nos conhecer melhor. Namoramos por quatro anos e nos casamos, em 1955. No ano seguinte nasceu nosso filho, Luiz Antônio, e, em 58, nossa filha, Maria de Fátima (Dinha). Minha vida passou a ser o trabalho e a família.
Não quis fazer carreira no banco, mas fiz de tudo um pouco. Cheguei até a carregar crianças de colo para as clientes poderem assinar os cheques. Com brincadeiras e bom humor, arrancava sorrisos até dos clientes mais sisudos.
Nas Copas do Mundo, arrumava uma TV para assistirmos os jogos no banco. Fazia bolões com funcionários e clientes. Nunca ganhei nenhum. Tem uma passagem inesquecível. Eu e meia dúzia de colegas comprávamos toda sexta-feira um bilhete da loteria mineira. O dono da lotérica, Pedro Muniz, entregava o envelope fechado, pessoalmente, para mim. Certa vez, ao conferir o número do bilhete, percebi que ele já havia corrido na semana anterior. Pedro Muniz pediu desculpas pelo engano. Na semana seguinte, como de costume, entregou um novo envelope em minhas mãos. A sorte grande saiu para Guaxupé. Abri o envelope para saber se éramos os felizardos, mas constatei que o número premiado era o mesmo do bilhete da confusão da semana anterior. Nunca tive sorte em jogo de loteria. De volta ao futebol Aposentei-me em 1986, no ano em que o Brasil perdeu mais uma Copa, desta vez, com um dos melhores times que nossa seleção já teve. Foi minha última Copa no banco. Voltei a jogar bola no time dos veteranos do Country Club. Tive que parar em 2000, porque os chutes na canela começaram a formar hematomas enormes. Minha mulher costumava me repreender, pra eu parar de jogar, pois chegava em casa todo estropiado.
A partir da aposentadoria, passei a me dedicar, também, aos meus netos Antônio e Caetano, na época com 6 e 2 anos, respectivamente. Tive chance de curtir os dois, fiz para meus netos o que não pude fazer para meus filhos. Ensinei a eles os primeiros chutes do futebol. Caetano tornou-se jogador profissional, atualmente, no Procinone, da Itália. O mais velho jogava muito bem, mas não quis seguir carreira, viu que a coisa não era brincadeira.
Minha paixão pelo futebol influenciou meu neto e, também, meu filho, que hoje em dia é um dos mais respeitados jornalistas esportivos de São Paulo. Este ano ele está cobrindo, pela 6ª vez consecutiva, a copa mundial. Por isso acho que chutar pedras e ficar sem sorvete de coco queimado valeu a pena.
Outro episódio marcante ligado ao futebol, na minha vida, aconteceu em 2008. Atendendo a um pedido do Caetano, viajei à Itália com a Dinha para vê-lo jogar. Na época, meu neto morava em Siena. Logo que cheguei, comecei a sentir dores na barriga, no 3º dia fui parar no hospital. Os médicos informaram que eu deveria ser operado imediatamente, se tentasse voltar, poderia morrer no avião. Fui operado de diverticulite aguda e fiquei 10 dias internado. Cheguei a imaginar o Nabih noticiando minha nota de falecimento pela Rádio Clube. Paixão e Carnaval
Na véspera do carnaval de 1989, fui com uns amigos esperar Luiz Antônio na rodoviária. Conversando sobre o carnaval da cidade, que nos últimos anos andava bastante desanimado, sugeri que fizéssemos alguma coisa para recuperar a animação. Um deles propôs que começássemos no próximo domingo. Topamos o desafio.
Elaboramos um barco de bambu e elástico, matéria-prima das alegorias do nosso bloco durante 10 anos, batizado de Batom e Rouge. Foi um verdadeiro sucesso.
Quando terminou nosso 1º desfile, sugeri o tema do ano seguinte. Como o prefeito eleito prometera construir 2.000 casas populares, eu disse que, caso ele não cumprisse a promessa, faríamos a 1ª dessas casas. E assim foi. No domingo, duas horas antes do nosso desfile, um comprador ofereceu 800 reais pra casa de bambu e elástico não sair. Nem demos confiança, nosso desfile foi, novamente, um sucesso.
Como nosso bloco saía da casa do meu parceiro, Henrique Molina, que morava na rua do buracão, fomos batizados como Bloco do Buracão. Eu perdia o sono para criar os personagens de cada integrante. Assim como futebol, carnaval foi uma das minhas paixões, com o apoio da minha mulher.
No fim dos anos 70 e começo dos 80, Maria costurava as fantasias do Unidos de Bagdá, bloco da turma dos nossos filhos. Eu ajudava a arrecadar dinheiro para por o bloco na rua. Ela chegou a fazer fantasias de última hora em meio ao desfile na avenida. Um solitário não quer solidão*
Em 2005, minha esposa morreu. Durante três anos morei com minha filha e com Sérgio, marido dela, em São Paulo. Eles me deram todo carinho e apoio necessários. Vivi 49 anos com Maria e precisava me acostumar a ficar sozinho.
De volta a Guaxupé, numa tarde de setembro de 2008, estava sentado na porta de casa pensando no passado quando senti algo roçar minhas pernas. Olhei para baixo e vi, espantado, uma cachorrinha marrom, de olhos verdes. Parece que ela caiu do céu pra me fazer companhia. Regina, a empregada de casa, cuida de mim e da Pantera com dedicação. Pra completar, há quase um ano comecei a namorar e hoje estou muito feliz.
Tenho saudades do apito do trem na partida e na chegada; do picolé de coco queimado; da pipoca do Balbino; das broas de fubá e cimento armado que seo Angelin Francisqueti vendia na porta do cinema; de ver os passageiros do trem de São Paulo chegando com cestas de frutas nas mãos; do filho do vizinho batendo em nossa porta para pedir uma colher de açúcar; dos vagalumes clareando as ruas na escuridão da noite; do padeiro que colocava os pães nas janelas das casas gritando, padeiro! E do leiteiro vendendo leite de porta em porta; de voltar do açougue com a carne amarrada no barbante e os cachorros atrás; da banda de música que fazia serenatas nas madrugadas anunciando as festas de barraquinhas ou descendo a Rua Pereira do Nascimento para abrilhantar os domingos no coreto da avenida.”
A vida toda, um dos maiores prazeres do Lotinho é tomar uma cervejinha com os amigos. Continua sendo o último a sair das festas. E já é bisavô da Rafaela, nascida há um ano e 6 meses: "Agora ela é a rainha da família."
* Trechos da música Bola de meia, bola de gude, de Milton Nascimento.
Fotos:
1. A cadela Pantera e Loto em frente colagem de fotos e reportagens sobre futebol.
2. Na Esportiva, Loto está agachado, ao centro.
3. Sentado, à direita, com funcionários do Banco Hipotecário, em 61.
4. Formando da Academia de Comércio São José, em 49.
5. O casal Maria e Lotinho com os dois filhos, Dinha e Luiz Antônio (Gordo), e os três netos: Antônio, Caetano e João Luiz.
MINHA HISTÓRIA
Em dias de Copa do Mundo, nada mais oportuno que contar as memórias do Lotinho, este eterno apaixonado por futebol.
Bola de meia, bola de gude
O guaxupeano Antônio Lepiane Prósperi, Lotinho, nasceu em 09.07.1930, filho de Pedro Prósperi e Julieta Lepiane Prósperi. Moleque cansado das bolas de meias deixava de comprar seus doces preferidos para jogar futebol com uma bola de capotão alugada. Também era habilidoso com bolinhas de gude: “há um menino, há um moleque morando sempre no seu coração.”*
“Quando era pequeno meu pai trabalhava na prefeitura e mamãe era dona de casa. Desde os 6 anos eu tinha paixão por futebol. Abria a porta de casa e o campo estava na minha frente: nossa rua de terra e coberta de mato. A bola era de meia, chutei muita pedra. Primos, amigos e vizinhos do outro lado da rua formavam nosso time.
Dois primos, Nelson (Badão) e Tati eram os craques. Badão era o melhor jogador das redondezas. Morreu aos 17 anos e os médicos não informaram o porquê. Eu e meus companheiros ficamos revoltados com isso, doeu muito na gente, Badão era uma promessa pro futebol. Tati fez carreira, destacando-se no Internacional do Rio Grande do Sul. Depois foi para o Uberaba.
Em 37 comecei a estudar no grupo Delfim Moreira, mas não me adaptei. Recomecei no ano seguinte, no Barão de Guaxupé. Não gostava de estudar, só queria saber de futebol. Na 4ª série me passaram para a classe da professora e minha prima Lila Lepiane, pra ver se meu desempenho melhorava, e graças a ela, deu certo.
Nesse ínterim, descobri que o administrador do estádio municipal, o Barbizan, alugava um pedaço do campo e bolas de capotão remendadas. Pra nós, já estava muito bom. Cada jogador contribuía com 200 réis. Por este motivo, deixei de comprar meus doces preferidos, como pé de moleque, doce de leite com chocolate e picolé de coco queimado do seo Antenor, o sorveteiro que ficava nas portas das escolas com uma carrocinha puxada por um burro.
Do grupo passei para o Ginásio São Luiz Gonzaga. Inicialmente, mulheres e homens estudavam juntos, mas a partir do 3º ano chegaram os padres, ficando nossa turma somente masculina. No recreio, Zé Cury e eu éramos os campeões no jogo de bolinha de vidro na toca. Formava uma roda ao nosso redor, éramos invencíveis.
Nessa época, o professor Alcides Baldini, que foi um paizão para nós, formou um time juvenil da Academia de Comércio São José. Eu e os demais jogadores viajávamos pela região jogando com outros times. Quando Ari, técnico do União, formou um time de profissionais, convidou alguns jogadores da nossa equipe para treinar com eles. Fez o convite a mim. Então, chamei os companheiros mais chegados. Após um ano, o União se tornou Sociedade Esportiva de Guaxupé e nós continuamos no time.
Levei os estudos no rolo, mas me formei no ginasial, em 1946, e entrei na Academia de Comércio. Eu e mais dois amigos fazíamos muita farra. Um grupo de alunos pediu ao diretor José Gonela para nos separar ou expulsar a gente da escola. Não deu em nada, nos formamos em 1949. Eu tinha 19 anos e jogava futebol. Não fui aquele craque, mas realizei minha paixão jogando até os 24 anos.
Há um passado no meu presente*
Ainda nos tempos de mocinho, eu ajudava meu avô Carlos Prósperi no Cine São Carlos. Ele já era idoso, não enxergava bem, mas gostava de ficar na portaria. Vovô vendia a entrada mais barata para quem não tinha o valor total. Eu conferia o dinheiro. Junto com Nabih Zaiat e Kaled Cury fazia a locução do serviço de alto-falantes do cinema anunciando os filmes que iriam passar e os horários das sessões. Quando os dois adquiriram a Rádio Clube nos separamos.
Como eu estava para me casar, arrumei emprego no Banco Hipotecário (que virou BEMGE, depois, Itaú). Conheci minha futura esposa, Maria De Simone, por causa de um álbum de figurinhas. Ficávamos na avenida (Conde Ribeiro do Valle) trocando as repetidas. Passamos a conversar e a nos conhecer melhor. Namoramos por quatro anos e nos casamos, em 1955. No ano seguinte nasceu nosso filho, Luiz Antônio, e, em 58, nossa filha, Maria de Fátima (Dinha). Minha vida passou a ser o trabalho e a família.
Não quis fazer carreira no banco, mas fiz de tudo um pouco. Cheguei até a carregar crianças de colo para as clientes poderem assinar os cheques. Com brincadeiras e bom humor, arrancava sorrisos até dos clientes mais sisudos.
Nas Copas do Mundo, arrumava uma TV para assistirmos os jogos no banco. Fazia bolões com funcionários e clientes. Nunca ganhei nenhum. Tem uma passagem inesquecível. Eu e meia dúzia de colegas comprávamos toda sexta-feira um bilhete da loteria mineira. O dono da lotérica, Pedro Muniz, entregava o envelope fechado, pessoalmente, para mim. Certa vez, ao conferir o número do bilhete, percebi que ele já havia corrido na semana anterior. Pedro Muniz pediu desculpas pelo engano. Na semana seguinte, como de costume, entregou um novo envelope em minhas mãos. A sorte grande saiu para Guaxupé. Abri o envelope para saber se éramos os felizardos, mas constatei que o número premiado era o mesmo do bilhete da confusão da semana anterior. Nunca tive sorte em jogo de loteria. De volta ao futebol Aposentei-me em 1986, no ano em que o Brasil perdeu mais uma Copa, desta vez, com um dos melhores times que nossa seleção já teve. Foi minha última Copa no banco. Voltei a jogar bola no time dos veteranos do Country Club. Tive que parar em 2000, porque os chutes na canela começaram a formar hematomas enormes. Minha mulher costumava me repreender, pra eu parar de jogar, pois chegava em casa todo estropiado.
A partir da aposentadoria, passei a me dedicar, também, aos meus netos Antônio e Caetano, na época com 6 e 2 anos, respectivamente. Tive chance de curtir os dois, fiz para meus netos o que não pude fazer para meus filhos. Ensinei a eles os primeiros chutes do futebol. Caetano tornou-se jogador profissional, atualmente, no Procinone, da Itália. O mais velho jogava muito bem, mas não quis seguir carreira, viu que a coisa não era brincadeira.
Minha paixão pelo futebol influenciou meu neto e, também, meu filho, que hoje em dia é um dos mais respeitados jornalistas esportivos de São Paulo. Este ano ele está cobrindo, pela 6ª vez consecutiva, a copa mundial. Por isso acho que chutar pedras e ficar sem sorvete de coco queimado valeu a pena.
Outro episódio marcante ligado ao futebol, na minha vida, aconteceu em 2008. Atendendo a um pedido do Caetano, viajei à Itália com a Dinha para vê-lo jogar. Na época, meu neto morava em Siena. Logo que cheguei, comecei a sentir dores na barriga, no 3º dia fui parar no hospital. Os médicos informaram que eu deveria ser operado imediatamente, se tentasse voltar, poderia morrer no avião. Fui operado de diverticulite aguda e fiquei 10 dias internado. Cheguei a imaginar o Nabih noticiando minha nota de falecimento pela Rádio Clube. Paixão e Carnaval
Na véspera do carnaval de 1989, fui com uns amigos esperar Luiz Antônio na rodoviária. Conversando sobre o carnaval da cidade, que nos últimos anos andava bastante desanimado, sugeri que fizéssemos alguma coisa para recuperar a animação. Um deles propôs que começássemos no próximo domingo. Topamos o desafio.
Elaboramos um barco de bambu e elástico, matéria-prima das alegorias do nosso bloco durante 10 anos, batizado de Batom e Rouge. Foi um verdadeiro sucesso.
Quando terminou nosso 1º desfile, sugeri o tema do ano seguinte. Como o prefeito eleito prometera construir 2.000 casas populares, eu disse que, caso ele não cumprisse a promessa, faríamos a 1ª dessas casas. E assim foi. No domingo, duas horas antes do nosso desfile, um comprador ofereceu 800 reais pra casa de bambu e elástico não sair. Nem demos confiança, nosso desfile foi, novamente, um sucesso.
Como nosso bloco saía da casa do meu parceiro, Henrique Molina, que morava na rua do buracão, fomos batizados como Bloco do Buracão. Eu perdia o sono para criar os personagens de cada integrante. Assim como futebol, carnaval foi uma das minhas paixões, com o apoio da minha mulher.
No fim dos anos 70 e começo dos 80, Maria costurava as fantasias do Unidos de Bagdá, bloco da turma dos nossos filhos. Eu ajudava a arrecadar dinheiro para por o bloco na rua. Ela chegou a fazer fantasias de última hora em meio ao desfile na avenida. Um solitário não quer solidão*
Em 2005, minha esposa morreu. Durante três anos morei com minha filha e com Sérgio, marido dela, em São Paulo. Eles me deram todo carinho e apoio necessários. Vivi 49 anos com Maria e precisava me acostumar a ficar sozinho.
De volta a Guaxupé, numa tarde de setembro de 2008, estava sentado na porta de casa pensando no passado quando senti algo roçar minhas pernas. Olhei para baixo e vi, espantado, uma cachorrinha marrom, de olhos verdes. Parece que ela caiu do céu pra me fazer companhia. Regina, a empregada de casa, cuida de mim e da Pantera com dedicação. Pra completar, há quase um ano comecei a namorar e hoje estou muito feliz.
Tenho saudades do apito do trem na partida e na chegada; do picolé de coco queimado; da pipoca do Balbino; das broas de fubá e cimento armado que seo Angelin Francisqueti vendia na porta do cinema; de ver os passageiros do trem de São Paulo chegando com cestas de frutas nas mãos; do filho do vizinho batendo em nossa porta para pedir uma colher de açúcar; dos vagalumes clareando as ruas na escuridão da noite; do padeiro que colocava os pães nas janelas das casas gritando, padeiro! E do leiteiro vendendo leite de porta em porta; de voltar do açougue com a carne amarrada no barbante e os cachorros atrás; da banda de música que fazia serenatas nas madrugadas anunciando as festas de barraquinhas ou descendo a Rua Pereira do Nascimento para abrilhantar os domingos no coreto da avenida.”
A vida toda, um dos maiores prazeres do Lotinho é tomar uma cervejinha com os amigos. Continua sendo o último a sair das festas. E já é bisavô da Rafaela, nascida há um ano e 6 meses: "Agora ela é a rainha da família."
* Trechos da música Bola de meia, bola de gude, de Milton Nascimento.
Fotos:
1. A cadela Pantera e Loto em frente colagem de fotos e reportagens sobre futebol.
2. Na Esportiva, Loto está agachado, ao centro.
3. Sentado, à direita, com funcionários do Banco Hipotecário, em 61.
4. Formando da Academia de Comércio São José, em 49.
5. O casal Maria e Lotinho com os dois filhos, Dinha e Luiz Antônio (Gordo), e os três netos: Antônio, Caetano e João Luiz.
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