mau gosto
Praças e esquinas de Guaxupé estão poluídas pelas placas políticas. O destino provável dessas mídias após as eleições serão os lixões. Acho triste ver madeiras desperdiçadas, ainda que de baixa qualidade. Mais triste ainda ver árvores e animais mortos pelas queimadas nos noticiários de TV. Às vezes, me sinto acuada como a natureza e os bichos. Pelo meu desprezo à forma como a política vem sendo levada neste país, vou votar verde (e, também, pelo meu apreço à causa ambiental, claro). É meu gesto particular de protesto.
Uma vergonha a maioria dos juízes do Supremo terem postergado a entrada em vigor da lei Ficha Limpa. Desta forma, aqueles que cometeram crimes políticos podem ser candidatos nestas eleições. Por isto, não será surpresa se Tiririca for o deputado mais votado em São Paulo (dá uma olhada nisto: http://www.tiririca2222.com.br/).
Até as artes vêm sucumbindo à vaidade. Na Bienal, que vai de amanhã até dezembro, o artista Nuno Ramos expõe três urubus vivos numa instalação. É um bom momento para refletirmos sobre o conceito de arte. Há mau gosto na arte e em todo lugar. Podemos escolher em qual mundo queremos habitar daqui a 10 anos, por exemplo, ou tudo não passa de ilusão?
Saiba mais:
http://www.anda.jor.br/2010/09/22/bienal-de-sp-permite-exploracao-de-urubus-como-forma-de-arte/
MAU CHEIRO
E por falar em poluição, no inverno já se sentia o mau cheiro dos esgotos do centro da cidade e do rio Guaxupé. Dá medo de pensar como será no calor. Ontem começou a primavera e, hoje, uma chuvinha preguiçosa insiste em cair. Antevejo o exército de baratas saindo dos esgotos para se refrescar. Uma visão, se não pavorosa, imunda. O fato é que as galerias de esgoto precisam de uma boa limpeza. Em Poços, por exemplo, duas vezes no ano a prefeitura realiza uma espécie de "fumigação" nos esgotos, segundo consta, eficaz. Podemos tomar este modelo, desde que não prejudique ainda mais o que resta do rio.
E o Dia de Finados também se aproxima. No cemitério, há dois ou três anos, encontrei três baratas saradas sob uma pequena lajota. Pouco tempo depois, soube que a APAE, vizinha desse mesmo cemitério, foi invadida por escorpiões (atualmente, uma empresa dedetiza o local a cada três meses). Precisamos saber por que a prefeitura não limpa o cemitério periodicamente. Nunca soube que tenham realizado algum tipo de dedetização por lá. Será que é muito caro? De qualquer forma, é um investimento fundamental, ou não?
MINHA HISTÓRIA
Dr. Domiciano relembra as viagens a cavalo que fez pela região para atender pacientes da zona rural.
Um conservador profissional
Domiciano Cordovil Braga nasceu em 09.08.27, em Niterói, RJ. Filho de Plácido Fernandes Braga e Sônia Cordovil Braga teve apenas um irmão mais velho, Eustáquio, já falecido. Em 53, médico formado, mudou-se com a esposa e a sogra para Guaxupé. Tem costume de conservar objetos, documentos e peças de vestuário que fizeram parte da sua história. Mantém seu estilo pessoal intocado, só raspou o bigode uma vez na vida, no trote da faculdade: “Minha esposa não me reconheceria sem ele.”
“Quando um amigo íntimo do papai, Fábio, que era irmão salesiano, conheceu meu nome de batismo, ficou muito bravo, pois Domiciano foi um imperador romano que perseguiu os cristãos. Papai tentou mudar, mas não conseguiu. Nem por isto me deram outros nomes, mamãe tinha horror a apelidos.
Papai trabalhava no departamento de administração da Cia. de Navegação Costeira. A lembrança é de um homem extremamente trabalhador, que nunca deixou faltar nada dentro de casa. Era chamado de Braguinha pelos colegas, devido a sua baixa estatura. Ele arrumou emprego pra muita gente.
Fiz até a 2ª série no Grupo Euzébio Queirós, em Graguatá, bairro onde nasci. A partir da 3ª série e até o 3º Científico, estudei no primeiro colégio salesiano do Brasil, localizado no bairro de Santa Rosa.
Nas férias, passava os dias na praia, nadando e apreciando as moças. Também praticava esportes náuticos nos clubes de regata. Fazia footing na orla de Icaraí: as moças ficavam de um lado, os moços de outro, era uma farra.
Fiz a escola de instrução militar dentro do colégio, entre o 1º e o 2º ano Científico. Era um pouco mais brando que o tiro de guerra, sem aquele rigor militar. Assisti à chegada do 1º escalão da Força Expedicionária Brasileira. Me entusiasmei tanto que prestei concurso pra Aeronáutica, mas não passei.
Então, decidi estudar medicina. Em 47, ingressei na Faculdade Fluminense de Medicina, também em Niterói. Minha turma, de 100 estudantes, era muito unida e continuamos assim até depois da formatura, nos encontrando todos os anos, cada vez num lugar diferente. Atualmente, não tenho ido, mas esses encontros ainda acontecem.
Fizemos história lançando na faculdade, do 1º ao 6º ano, um jornalzinho denominado T-47, onde publicávamos o resumo do que foi ensinado em aula durante o mês. Foi pioneiro, era vendido para todos os colegas. Lançamos moda e passamos a vendê-lo, também, às outras turmas.
Nossa festa de formatura, no Teatro Municipal do Rio, ficou marcada. Fizemos uma reunião para discutir como seria a solenidade. Parte da turma queria usar becas. Outra parte, mais arrojada e moderna, queria receber o diploma com jalecos de médico. Eu era dessa segunda turma, mas prevaleceu a vontade da primeira. Alugamos, com a devida antecedência, as becas em uma empresa do ramo. Por ironia do destino, essa empresa não cumpriu o contratado. Resultado: colamos grau com roupas comuns.
Mais ou menos no 5º ano de Medicina, comecei a trabalhar no Departamento de Correios e Telégrafos do Rio, na Rua 1º de Março, como manipulante de tráfego postal. As mesas de conferência eram uma coisa terrível. Todos os valores registrados nos Correios passavam por elas. Fiquei nesse mister mais ou menos uns dois anos e meio, até me formar, em 52.
Médico do interior
Sempre quis clinicar no interior, que parecia oferecer um campo de trabalho maior. Naquela época, o Paraná era o ‘eldorado’ dos aventureiros, mas pretendia me casar e não queria levar minha futura esposa pra qualquer lugar. Foi quando minha noiva, Benilde Carvalho Barbosa, ao visitar uma tia, conheceu uma senhora, Elvira, que havia morado em Guaxupé. A filha dela, Norma, era casada com Dr. José Felippe e morava nesta cidade.
Ninguém sabia como se chegava a Guaxupé, cada um dizia uma coisa. Um belo dia, uma estudante de enfermagem, cujo parente morava em Jacuí, falou pra eu pegar um avião da Real ou da Nacional que chegaria. Assim fiz, viajei sozinho. A cidade parecia ter tudo para dar conforto à Benilde.
Nos casamos em março de 1953. Antes de mudarmos, precisava do meu diploma, mas como demorou a sair, consegui uma carteira profissional de médico - talvez seja o único a ter uma. Foi obra do meu primo Cireno, que na cara de pau passou uma conversa num funcionário do Ministério do Trabalho.
Pegamos um ônibus da Viação Cometa até São Paulo. Chegando na Av. Ipiranga, não conseguimos passagem para Guaxupé, precisamos pernoitar na capital paulista. No dia seguinte, tomamos um ônibus até São José do Rio Pardo e, de lá, pegamos uma jardineira, que percorreu diversas fazendas, num poeirão danado. Fiquei decepcionado, mas não podia voltar atrás. Chegamos a Guaxupé, dia 19.04.53. Minha sogra, Albertina, veio conosco.
Dr. José Felippe alugou uma casa para nós, em cima da Farmácia Santo Antônio, onde havia morado, anteriormente, o médico Antônio Estole. Dia de São Jorge, 23.04, no meu primeiro dia de consultório, chegou um cidadão, Raimundo Urias, procurando pelo médico. Informei o novo endereço do Dr. Estole, mas sabendo que eu era médico, decidiu consultar-se comigo. A segunda paciente foi Conceição Pallos: atendi muitos familiares dela, minha clientela foi aumentando.
Conheci essa região toda andando a cavalo. Até então, nunca havia sido cavaleiro, estava mais para ‘tubarão de Icaraí’ (risos). Ia de montaria, jipe ou charrete, o que fosse preciso. Numa ocasião, fui de táxi até o Japi, onde Marcelino, que me indicara o paciente, me esperava com um cavalo para percorrer mais sete quilômetros. Quando montei, o animal saiu a galope, aumentando o ritmo cada vez mais. Marcelino correu atrás, gritando, puxa a rédea, doutor, mas fiquei com medo do cavalo empinar. Parou quando nos aproximamos de uma porteira.
Noutra feita, desta vez de noite e, também, a cavalo, percebi um vulto na minha direção. Só deu tempo de me abaixar. Por sorte, estava de sobretudo e chapéu, que ficou marcado pelo arranha-gato. Poderia até mostrar este chapéu, porque costumo guardar tudo. Mas foi roubado num assalto à casa em que morava anteriormente.
Paixão pelas orquídeas
Dr. Albertinho era do Núcleo de Orquidófilos de Guaxupé. A Festa das Orquídeas tinha uma dimensão muito grande, valorizava-se muito o lado social. Ele insistia para eu participar, mas meu objetivo não era investir em flores e sim na minha família. Nessa época, já haviam nascido meus cinco filhos: Antônio Carlos, Márcia, Maria Inês, Benilde e Fernando.
Comecei comprando uma flor, alba, chamada José Marti. Quando minha filha Maria Inês se casou, em 89, dona Inês, esposa do seo Antônio Nícoli, fez o buquê da noiva com orquídeas brancas derivadas dessa José Marti, todas cultivadas por mim.
Incentivado pelo Nícoli, passei a expor plantas, virando orquidófilo acidentalmente. Até pouco tempo atrás, o Núcleo dos Orquidófilos não possuía registro da sua trajetória. Fiz um levantamento desses dados mediante pesquisas em publicações da época e pudemos escrever essa história.
Tenho orgulho de ter desenvolvido plantas novas, de minha autoria. Fiz mais de 300 hibridações, misturas entre diferentes espécies, junto com meu filho Antônio Carlos. Algumas têm entre 6 e 7 anos e somente agora estão florindo. Cheguei a montar um laboratório, mas para continuar produzindo, precisaria investir num espaço físico maior, pois uma semeadura fornece mais de 500 plantas. Como não queria ser comerciante, decidi parar. Tenho todos os equipamentos guardados.
Além de consultas e flores
Nas eleições de 54, saí como candidato a vice-prefeito do Dr. Benedito Felippe da Silva. Lembro-me que após um comício na grande avenida (Dona Floriana), após os discursos, a turma começou a gritar já ganhou, carregando Dr. Benedito e eu nos ombros até o centro da cidade. Desceram conosco várias ruas sem calçamento, como na Praça dos Estudantes, onde senti muito medo de cair.
No início dos anos 60, o Clube de Campo estava abandonado. Trabalhava como perito do INSS e iria fazer um curso em BH. Participei de uma reunião com os sócios-fundadores da instituição, que me pediram para interceder junto a COPASA e fazer um acordo. A partir daí, formamos uma diretoria da qual fui presidente durante doze anos. Acho que fui feliz nessa empreitada, fiz de tudo lá, até trabalho de pintor e lavrador.
Também administrei a Santa Casa. Participei da diretoria do Dr. Sylvio Ribeiro do Valle, como tesoureiro, durante seis anos. Em seguida, fui provedor por quatro anos. E, novamente, mais dois anos como tesoureiro do Dr. Roberto Magalhães.
Modéstia a parte, minha contribuição foi de grande proveito. Tive oportunidade de comprar, com recursos próprios da instituição, instrumentos cirúrgicos e medicamentos. Tive uma funcionária muito eficiente, dona Neide, que me colocava a par de todas as necessidades do hospital. Cheguei a dar aulas, junto com as freiras, para candidatos a auxiliar de enfermagem. Formamos duas turmas.
Ainda, fui membro da Fundação José Gonella e da Fundação Educacional de Guaxupé. Fui o 3º presidente do Rotary Club local.
Sou uma pessoa feliz, como costumo dizer, nunca tive sonhos condoreiros, sempre imaginei voar na planície rasa. Fazendo uma retrospectiva, passei por fases superiores ao que imaginava. Sou uma pessoa plenamente realizada.”
Dr. Domiciano continua cultivando orquídeas na sua residência, como um hobby. Gosta de ser consultado pela sua experiência como orquidófilo. Quando se trata de consultas médicas, informa que está aposentado. Atualmente, tem cinco netos e uma bisneta.
Fotos:
1) Domiciano, à direita, na formatura da faculdade de medicina, em 52.
2) Benilde entre os irmãos Domiciano e Eustáquio, em 1950.
3) No Clube de Campo, Domiciano com um de seus cachorros, uma grande paixão.
4) Em 1980, Dr. Domiciano recebe homenagem do Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, como um dos médicos mais antigos da região.
5) Parte da família: Maria Benilde (neta), Genevile (genro), Maria Inês (filha), Márcia (filha), Zé Maria (genro), Fernando (filho), Tucha (nora), Domiciano Neto, Benilde (filha) e Luiz Augusto (neto).
Uma vergonha a maioria dos juízes do Supremo terem postergado a entrada em vigor da lei Ficha Limpa. Desta forma, aqueles que cometeram crimes políticos podem ser candidatos nestas eleições. Por isto, não será surpresa se Tiririca for o deputado mais votado em São Paulo (dá uma olhada nisto: http://www.tiririca2222.com.br/).
Até as artes vêm sucumbindo à vaidade. Na Bienal, que vai de amanhã até dezembro, o artista Nuno Ramos expõe três urubus vivos numa instalação. É um bom momento para refletirmos sobre o conceito de arte. Há mau gosto na arte e em todo lugar. Podemos escolher em qual mundo queremos habitar daqui a 10 anos, por exemplo, ou tudo não passa de ilusão?
Saiba mais:
http://www.anda.jor.br/2010/09/22/bienal-de-sp-permite-exploracao-de-urubus-como-forma-de-arte/
MAU CHEIRO
E por falar em poluição, no inverno já se sentia o mau cheiro dos esgotos do centro da cidade e do rio Guaxupé. Dá medo de pensar como será no calor. Ontem começou a primavera e, hoje, uma chuvinha preguiçosa insiste em cair. Antevejo o exército de baratas saindo dos esgotos para se refrescar. Uma visão, se não pavorosa, imunda. O fato é que as galerias de esgoto precisam de uma boa limpeza. Em Poços, por exemplo, duas vezes no ano a prefeitura realiza uma espécie de "fumigação" nos esgotos, segundo consta, eficaz. Podemos tomar este modelo, desde que não prejudique ainda mais o que resta do rio.
E o Dia de Finados também se aproxima. No cemitério, há dois ou três anos, encontrei três baratas saradas sob uma pequena lajota. Pouco tempo depois, soube que a APAE, vizinha desse mesmo cemitério, foi invadida por escorpiões (atualmente, uma empresa dedetiza o local a cada três meses). Precisamos saber por que a prefeitura não limpa o cemitério periodicamente. Nunca soube que tenham realizado algum tipo de dedetização por lá. Será que é muito caro? De qualquer forma, é um investimento fundamental, ou não?
MINHA HISTÓRIA
Dr. Domiciano relembra as viagens a cavalo que fez pela região para atender pacientes da zona rural.
Um conservador profissional
Domiciano Cordovil Braga nasceu em 09.08.27, em Niterói, RJ. Filho de Plácido Fernandes Braga e Sônia Cordovil Braga teve apenas um irmão mais velho, Eustáquio, já falecido. Em 53, médico formado, mudou-se com a esposa e a sogra para Guaxupé. Tem costume de conservar objetos, documentos e peças de vestuário que fizeram parte da sua história. Mantém seu estilo pessoal intocado, só raspou o bigode uma vez na vida, no trote da faculdade: “Minha esposa não me reconheceria sem ele.”
“Quando um amigo íntimo do papai, Fábio, que era irmão salesiano, conheceu meu nome de batismo, ficou muito bravo, pois Domiciano foi um imperador romano que perseguiu os cristãos. Papai tentou mudar, mas não conseguiu. Nem por isto me deram outros nomes, mamãe tinha horror a apelidos.
Papai trabalhava no departamento de administração da Cia. de Navegação Costeira. A lembrança é de um homem extremamente trabalhador, que nunca deixou faltar nada dentro de casa. Era chamado de Braguinha pelos colegas, devido a sua baixa estatura. Ele arrumou emprego pra muita gente.
Fiz até a 2ª série no Grupo Euzébio Queirós, em Graguatá, bairro onde nasci. A partir da 3ª série e até o 3º Científico, estudei no primeiro colégio salesiano do Brasil, localizado no bairro de Santa Rosa.
Nas férias, passava os dias na praia, nadando e apreciando as moças. Também praticava esportes náuticos nos clubes de regata. Fazia footing na orla de Icaraí: as moças ficavam de um lado, os moços de outro, era uma farra.
Fiz a escola de instrução militar dentro do colégio, entre o 1º e o 2º ano Científico. Era um pouco mais brando que o tiro de guerra, sem aquele rigor militar. Assisti à chegada do 1º escalão da Força Expedicionária Brasileira. Me entusiasmei tanto que prestei concurso pra Aeronáutica, mas não passei.
Então, decidi estudar medicina. Em 47, ingressei na Faculdade Fluminense de Medicina, também em Niterói. Minha turma, de 100 estudantes, era muito unida e continuamos assim até depois da formatura, nos encontrando todos os anos, cada vez num lugar diferente. Atualmente, não tenho ido, mas esses encontros ainda acontecem.
Fizemos história lançando na faculdade, do 1º ao 6º ano, um jornalzinho denominado T-47, onde publicávamos o resumo do que foi ensinado em aula durante o mês. Foi pioneiro, era vendido para todos os colegas. Lançamos moda e passamos a vendê-lo, também, às outras turmas.
Nossa festa de formatura, no Teatro Municipal do Rio, ficou marcada. Fizemos uma reunião para discutir como seria a solenidade. Parte da turma queria usar becas. Outra parte, mais arrojada e moderna, queria receber o diploma com jalecos de médico. Eu era dessa segunda turma, mas prevaleceu a vontade da primeira. Alugamos, com a devida antecedência, as becas em uma empresa do ramo. Por ironia do destino, essa empresa não cumpriu o contratado. Resultado: colamos grau com roupas comuns.
Mais ou menos no 5º ano de Medicina, comecei a trabalhar no Departamento de Correios e Telégrafos do Rio, na Rua 1º de Março, como manipulante de tráfego postal. As mesas de conferência eram uma coisa terrível. Todos os valores registrados nos Correios passavam por elas. Fiquei nesse mister mais ou menos uns dois anos e meio, até me formar, em 52.
Médico do interior
Sempre quis clinicar no interior, que parecia oferecer um campo de trabalho maior. Naquela época, o Paraná era o ‘eldorado’ dos aventureiros, mas pretendia me casar e não queria levar minha futura esposa pra qualquer lugar. Foi quando minha noiva, Benilde Carvalho Barbosa, ao visitar uma tia, conheceu uma senhora, Elvira, que havia morado em Guaxupé. A filha dela, Norma, era casada com Dr. José Felippe e morava nesta cidade.
Ninguém sabia como se chegava a Guaxupé, cada um dizia uma coisa. Um belo dia, uma estudante de enfermagem, cujo parente morava em Jacuí, falou pra eu pegar um avião da Real ou da Nacional que chegaria. Assim fiz, viajei sozinho. A cidade parecia ter tudo para dar conforto à Benilde.
Nos casamos em março de 1953. Antes de mudarmos, precisava do meu diploma, mas como demorou a sair, consegui uma carteira profissional de médico - talvez seja o único a ter uma. Foi obra do meu primo Cireno, que na cara de pau passou uma conversa num funcionário do Ministério do Trabalho.
Pegamos um ônibus da Viação Cometa até São Paulo. Chegando na Av. Ipiranga, não conseguimos passagem para Guaxupé, precisamos pernoitar na capital paulista. No dia seguinte, tomamos um ônibus até São José do Rio Pardo e, de lá, pegamos uma jardineira, que percorreu diversas fazendas, num poeirão danado. Fiquei decepcionado, mas não podia voltar atrás. Chegamos a Guaxupé, dia 19.04.53. Minha sogra, Albertina, veio conosco.
Dr. José Felippe alugou uma casa para nós, em cima da Farmácia Santo Antônio, onde havia morado, anteriormente, o médico Antônio Estole. Dia de São Jorge, 23.04, no meu primeiro dia de consultório, chegou um cidadão, Raimundo Urias, procurando pelo médico. Informei o novo endereço do Dr. Estole, mas sabendo que eu era médico, decidiu consultar-se comigo. A segunda paciente foi Conceição Pallos: atendi muitos familiares dela, minha clientela foi aumentando.
Conheci essa região toda andando a cavalo. Até então, nunca havia sido cavaleiro, estava mais para ‘tubarão de Icaraí’ (risos). Ia de montaria, jipe ou charrete, o que fosse preciso. Numa ocasião, fui de táxi até o Japi, onde Marcelino, que me indicara o paciente, me esperava com um cavalo para percorrer mais sete quilômetros. Quando montei, o animal saiu a galope, aumentando o ritmo cada vez mais. Marcelino correu atrás, gritando, puxa a rédea, doutor, mas fiquei com medo do cavalo empinar. Parou quando nos aproximamos de uma porteira.
Noutra feita, desta vez de noite e, também, a cavalo, percebi um vulto na minha direção. Só deu tempo de me abaixar. Por sorte, estava de sobretudo e chapéu, que ficou marcado pelo arranha-gato. Poderia até mostrar este chapéu, porque costumo guardar tudo. Mas foi roubado num assalto à casa em que morava anteriormente.
Paixão pelas orquídeas
Dr. Albertinho era do Núcleo de Orquidófilos de Guaxupé. A Festa das Orquídeas tinha uma dimensão muito grande, valorizava-se muito o lado social. Ele insistia para eu participar, mas meu objetivo não era investir em flores e sim na minha família. Nessa época, já haviam nascido meus cinco filhos: Antônio Carlos, Márcia, Maria Inês, Benilde e Fernando.
Comecei comprando uma flor, alba, chamada José Marti. Quando minha filha Maria Inês se casou, em 89, dona Inês, esposa do seo Antônio Nícoli, fez o buquê da noiva com orquídeas brancas derivadas dessa José Marti, todas cultivadas por mim.
Incentivado pelo Nícoli, passei a expor plantas, virando orquidófilo acidentalmente. Até pouco tempo atrás, o Núcleo dos Orquidófilos não possuía registro da sua trajetória. Fiz um levantamento desses dados mediante pesquisas em publicações da época e pudemos escrever essa história.
Tenho orgulho de ter desenvolvido plantas novas, de minha autoria. Fiz mais de 300 hibridações, misturas entre diferentes espécies, junto com meu filho Antônio Carlos. Algumas têm entre 6 e 7 anos e somente agora estão florindo. Cheguei a montar um laboratório, mas para continuar produzindo, precisaria investir num espaço físico maior, pois uma semeadura fornece mais de 500 plantas. Como não queria ser comerciante, decidi parar. Tenho todos os equipamentos guardados.
Além de consultas e flores
Nas eleições de 54, saí como candidato a vice-prefeito do Dr. Benedito Felippe da Silva. Lembro-me que após um comício na grande avenida (Dona Floriana), após os discursos, a turma começou a gritar já ganhou, carregando Dr. Benedito e eu nos ombros até o centro da cidade. Desceram conosco várias ruas sem calçamento, como na Praça dos Estudantes, onde senti muito medo de cair.
No início dos anos 60, o Clube de Campo estava abandonado. Trabalhava como perito do INSS e iria fazer um curso em BH. Participei de uma reunião com os sócios-fundadores da instituição, que me pediram para interceder junto a COPASA e fazer um acordo. A partir daí, formamos uma diretoria da qual fui presidente durante doze anos. Acho que fui feliz nessa empreitada, fiz de tudo lá, até trabalho de pintor e lavrador.
Também administrei a Santa Casa. Participei da diretoria do Dr. Sylvio Ribeiro do Valle, como tesoureiro, durante seis anos. Em seguida, fui provedor por quatro anos. E, novamente, mais dois anos como tesoureiro do Dr. Roberto Magalhães.
Modéstia a parte, minha contribuição foi de grande proveito. Tive oportunidade de comprar, com recursos próprios da instituição, instrumentos cirúrgicos e medicamentos. Tive uma funcionária muito eficiente, dona Neide, que me colocava a par de todas as necessidades do hospital. Cheguei a dar aulas, junto com as freiras, para candidatos a auxiliar de enfermagem. Formamos duas turmas.
Ainda, fui membro da Fundação José Gonella e da Fundação Educacional de Guaxupé. Fui o 3º presidente do Rotary Club local.
Sou uma pessoa feliz, como costumo dizer, nunca tive sonhos condoreiros, sempre imaginei voar na planície rasa. Fazendo uma retrospectiva, passei por fases superiores ao que imaginava. Sou uma pessoa plenamente realizada.”
Dr. Domiciano continua cultivando orquídeas na sua residência, como um hobby. Gosta de ser consultado pela sua experiência como orquidófilo. Quando se trata de consultas médicas, informa que está aposentado. Atualmente, tem cinco netos e uma bisneta.
Fotos:
1) Domiciano, à direita, na formatura da faculdade de medicina, em 52.
2) Benilde entre os irmãos Domiciano e Eustáquio, em 1950.
3) No Clube de Campo, Domiciano com um de seus cachorros, uma grande paixão.
4) Em 1980, Dr. Domiciano recebe homenagem do Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, como um dos médicos mais antigos da região.
5) Parte da família: Maria Benilde (neta), Genevile (genro), Maria Inês (filha), Márcia (filha), Zé Maria (genro), Fernando (filho), Tucha (nora), Domiciano Neto, Benilde (filha) e Luiz Augusto (neto).
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