contatos virtuais

Uma amiga me contou que conhece um casal de namorados que se comunica melhor por Skype do que pessoalmente. Outra amiga, que dificilmente encontro, me escreveu por e-mail: É triste saber que dentro dos lares as pessoas se comunicam através de computadores e sms de seus celulares. Até “fazem amor” pela internet. Não existe mais o contato, o toque e o ombro amigo. Hoje, temos “a tela” amiga. As pessoas não sabem mais se tocar, se abraçar e se falar “ao vivo e a cores”.

O fato é que temos mais amigos no Facebook e outros sites de relacionamentos que na vida real. É mais fácil escrever "eu te amo" do que falar olhando nos olhos uns dos outros. Sabemos sobre a vida dos outros o que desejam que saibamos. As vidas pessoais viraram um marketing sem fim. Quando nos deparamos com a realidade, na maioria das vezes, nos decepcionamos.

Mas é fato, também, que a tecnologia une e reúne pessoas. Proporciona um contato que, caso não fosse virtual, não aconteceria de forma nenhuma. Viva o deus Google. Salve o "deus mu-dança", como propôs Gilberto Gil, anos atrás. Vamos recriar os relacionamentos. Atualmente, estamos deslumbrados com as possibilidades tecnológicas, mas, otimista, afirmo que vamos criar novas formas de comunicação em todos os níveis, seja no mundo real ou no virtual. Porque somos seres adaptáveis e mutáveis por natureza. Que venha 2011!

MINHA HISTÓRIA

“Natal, para mim, é oportunidade de reunir as famílias e comemorar o nascimento de Jesus”, diz Maria dos Reis Carmo.


A vida como ela é

Maria dos Reis Carmo nasceu em Itaguaba, distrito de São Sebastião do Paraíso, em 28.09.37, segunda filha de José Fidelis do Carmo e Rita Sebastiana do Carmo. Órfã de pai, recém-nascida, teve uma infância humilde, foi à escola com os pés descalços. Buscava a roupa das internas do Colégio Imaculada Conceição para a mãe lavar, acalentando o sonho de, um dia, tornar-se professora. Na sua trajetória, sempre encontrou apoio na fé, conquistando a simpatia de Marcos Noronha e Dom Inácio. Com sabedoria, afirma que, para ser feliz, é preciso se adaptar à vida como ela é.

“Quando nasci, minha irmã, Benedita Conceição Aparecida, tinha quatro anos. Fui registrada no dia do funeral do meu pai, 9.11, quando mamãe entrou no cartório comigo no colo. O tabelião me registrou com data de nascimento em 28.10, pois o prazo para registrar o nascimento de uma criança sem pagamento de multa era de quinze dias. Ele escolheu, também, meu nome por meio da certidão de óbito do meu pai, que era integrante de Companhia de Reis.
Papai faleceu aos 39 anos. Era descendente direto de escravos; minha mãe, branca, de olhos claros, de origem espanhola. Mamãe contava que ele e outros colegas participavam de um grupo que jejuava no fim do dia, rezava um terço seguido de baile, pedindo para Nossa Senhora do Carmo não deixar que passassem dos 40 anos. A vida, para eles, devia ser muito custosa.
Minha mãe levava minha irmã e eu pra roça. Enquanto trabalhava a gente ficava nos pés das árvores, comendo pipoca ou dormindo. Uma vez, encontrou uma cascavel perto da gente, com os guizos emitindo som de chocalho, pronta para atacar. Gritou por socorro, mas nada aconteceu conosco. Minha mãe sempre foi muito religiosa.
Em 40, ela casou com Antônio Ricardo, um ferroviário para quem prestava serviços de costura, também viúvo e com dois filhos, que logo foram viver com outros parentes. Tinha três anos quando nos mudamos para Guaxupé. Passamos a 1ª noite na pensão Aurora, hoje, Sucuri; depois, fomos morar na Rua José Vieira, onde começam minhas primeiras lembranças.
Eu caía todo dia, era levada demais. Até hoje, trago marcas nos joelhos. Subia em árvores, era um cão. Tinha uns quatro anos quando mordi o rosto da Dita porque ela não quis dormir comigo de dia. Como castigo de minha mãe, fiquei na porta de casa esperando a polícia me levar para não voltar nunca mais. No final da tarde, um soldado, nosso vizinho, me viu chorando e se aproximou. Desmaiei no colo dele, de medo, foi a única vez que desmaiei na vida. Quando soube do acontecido, ele chamou a atenção da minha mãe rigorosamente, dizendo que aquele não era um castigo adequado.
Em seguida, nos mudamos pra Avenida Dona Mariana. Adorei aquele bairro, havia muitas crianças para brincar, a maioria filhos de ferroviários. Naquela época, somente dois vizinhos possuíam geladeira, o gerente do Banco do Brasil e seo Abel Pedrosa. Quando limpavam a geladeira, jogavam o gelo na rua. A criançada apostava quem pegava mais cubos, que chupávamos como sorvete.
Nossas brincadeiras eram de roda, boneca, bola, rodar pião, tudo na rua. Nove horas da noite tinha que entrar. Havia somente dois carros de praça na cidade, o do seo Zé Áccula e o do Bigi. Somente depois chegou a ‘zazá’, charretinha puxada por cavalo que transportava as mulheres da zona boêmia.
Aos seis anos, tinha aulas de Catecismo na antiga fábrica de sabão marmorizado, localizada na Rua Major Joaquim Pedro. Aos domingos, padre Hermínio que, posteriormente, tornou-se bispo, visitava as salas de aulas. A catequista me colocava de pé sobre uma mesa, para mostrar que eu sabia as orações de cor.
Em 1945, entrei no Grupo Escolar Delfim Moreira. Minha primeira professora foi dona Maria Aparecida Magalhães. Lembro-me até hoje do perfume dela. Não tinha caderno, aprendi a escrever nos blocos de notas que meu padrasto descartava após o uso.
Os alunos da Caixa Escolar recebiam sopa no recreio, de segunda à sexta, cada dia um sabor. Se o aluno deixasse de comer um dia, perdia o direito nos outros. Não gostava de sopa de macarrão, pra me ajudar, um menino apelidado de meia-noite, comia o prato dele bem depressa e, em seguida, o meu. Toda vida tive quem me ajudasse.
A gente era tão pobre que seguia uma colega no recreio para pegar as rebarbas de mortadela que ela tirava do seu sanduíche e jogava no chão. Onde é a loja do Ivan Veronezzi havia uma fábrica de manteiga. Ficávamos esperando destamparem as garrafas de leite para lamber o creme que ficava grudado nas tampas.
As crianças da vizinhança e eu íamos ao lixão, onde hoje é a Exportadora, catar ferro, osso e vidro, que lavávamos em uma mina perto do armazém do Frota. Vendia o vidro para seo Antônio Pingado, na Farmácia Santo Antônio. O ferro e osso para seo Ninico Prado. Desde o 2º ano, vendia doces, que levava dentro de uma cesta, de porta em porta.
Com o dinheiro, comprava caderno e lápis. Meu sonho era ter uma caderneta de brochura. Quando estava no 3º ano, a escola começou a produzir um jornal chamado O Escolar. Zoé Teixeira, minha professora do 2º e do 3º ano, pediu que os alunos fizessem uma composição a partir de uma gravura de um homem guiando um carro de boi. O título da minha foi O Carreiro, ficou em 1º lugar, publicada no nosso jornalzinho. Como prêmio, ganhei um caderno de 50 folhas, de capa dura. Guardei esse caderno até pouco tempo atrás.
No mesmo ano, a igreja promoveu um concurso regional. Os participantes que decorassem o 1º Catecismo ganhariam prêmios. Aconteceu uma festa muito grande no colégio das freiras. Miguel Decenzi e eu representamos o Delfim; ele ficou em 1º lugar, eu em 2º. Ganhei um estojo de corte e costura muito bonito, bombons e balas.
Rosinha Remédio, minha professora do 4º ano, deixou muitas saudades. Ela me inspirou a vontade de ser professora. Recebi o diploma do primário em 5.12.1948, na Rádio Clube de Guaxupé, instalada onde atualmente é o Rotary. Nosso paraninfo foi Dr. Coragem. Minha mãe vendeu duas galinhas para comprar minha blusa e saia de formatura, que no ano seguinte seria meu uniforme da Academia de Comércio São José.

Os sonhos não envelhecem
Dita me esperou para estudarmos juntas, assim, não precisaria andar sozinha à noite. Nós duas queríamos estudar no Colégio Imaculada Conceição, mas era muito caro, a Academia oferecia um preço mais acessível.
Minha irmã tinha idade para trabalhar na fábrica dos Furlan. Eu fui trabalhar na venda do seo Paschoal Chiarallo, ganhando 100 cruzeiros ao mês. Subia num caixote para alcançar a balança. Com o salário, pagava a escola e comprava material escolar.
Depois, minha mãe achou que o ambiente da venda não era bom pra uma menina e me levou para catar café no armazém do seo Olavo Barbosa. Quando completei 14 anos, fui pra fábrica de calçados Furlan e Irmãos, situada onde hoje é a Casa Carloni. Seo João Antônio Nícoli era o contador dessa firma. Guardo até hoje minha 1ª carteira de trabalho assinada por ele.

Em 52, estava nesse emprego quando meu padrasto faleceu. No ano seguinte, passei para a fábrica do seo Michel Gdikian. Costurava sapatinho de criança. Todo dia, na hora do café, ele mandava comprar lanche numa venda para todos os funcionários.
Em 55, Dita e eu recebemos nossos diplomas de contabilistas, na secretaria da escola. A comissão de formatura exigia que os formandos usassem trajes de gala. Como não podíamos comprar esse tipo de roupa, ficamos na porta do Cine São Carlos para ouvirmos falar nossos nomes. Dita e José Inácio da Costa tiraram o 1º lugar em nota, sendo aplaudidos durante a cerimônia.
Fomos indicadas para trabalhar no escritório: Dita, na Brasília Móveis, eu, na fábrica de fogões S. Calicchio. Nunca tive paciência para ficar quieta, devo ter sido uma péssima secretária. Certo dia, ao chegar no escritório, padre Marcos Noronha, que já me conhecia por eu trabalhar como catequista, perguntou o porquê da minha cara triste. Respondi que meu sonho era ser professora, mas não tinha dinheiro para pagar a escola.
No dia seguinte, ele me apresentou a Dom Inácio, que me deu uma bolsa de estudos na Universidade Rural do Km 47, no Rio de Janeiro. Ainda, me emprestou dinheiro para eu ir e voltar nas férias e pagar quando começasse a trabalhar. Antes de viajar, fiquei uns meses como secretária do padre Marcos Noronha, na Catedral.
Em 59, viajei de jardineira para o Rio. Foram dois dias de viagem, com baldeação em São Paulo, onde dormi na casa da Vanda Negrão, conhecida do bispo. Sinto orgulho em contar que recebi a visita de Dom Inácio na universidade. Ele recusou o convite do reitor para conhecer a escola, dizendo que passara por lá exclusivamente para me ver.
Em 61, recebi o diploma de Educadora Familiar Agrícola, retornando com o objetivo de trabalhar com o bispo em uma congregação religiosa chamada Irmãs Rurais que ele pretendia implantar em Guaxupé. Mas adoeceu antes, falecendo em 63, sem concretizar esse sonho.


Educadora polivalente
Havia sido convidada para lecionar na universidade em que estudei, mas mamãe me pediu que ficasse aqui. Inicialmente, trabalhei como funcionária substituta no Curso de Preparação de Economia Rural Doméstica, que funcionava na Rua Francisco Vieira do Valle, sendo efetivada depois de dois anos.
Em 1963, auxiliei na implantação da Escola Profissional Nossa Senhora Aparecida. Fazia jornada dupla: à tarde, ficava na escola de economia doméstica e, de manhã, na escola profissional. Por este trabalho voluntário, ganhei o prêmio ‘Como é bom ser bom’, do Núcleo de Orquidófilos, em 65.
Naquele mesmo ano, matriculei-me no curso Normal do ginásio, diplomada na 1ª turma de normalistas, em 68. Em 69, comecei a fazer Pedagogia, na FAFIG, mas interrompi os estudos, em 1970.
Em janeiro de 71, fiz um curso de especialização na UFMG, que me habilitaria a lecionar nas escolas polivalentes. Comecei a trabalhar em Caeté; em seguida, fui nomeada para inaugurar a escola polivalente de Passos. Precisei retornar a Guaxupé após dois anos, pois estava de licença do serviço público federal. Como haviam extinguido o curso de economia doméstica, meus colegas e eu ficamos à disposição da Prefeitura.
Walmor Russo, prefeito, nos encaminhou para a APAE, onde fiquei durante cinco anos. Entrei como secretária e saí diretora, eleita pelos meus colegas. Nesse ínterim, terminei o curso de Pedagogia, fazendo várias especializações na área. Lecionei no Instituto Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo, e no Polivalente de Guaxupé.
Em 77, fui convocada para dar aulas na Escola Agrotécnica Federal de Muzambinho (atual IFET), logo ocupando o cargo de Orientadora Educacional. Lá vivi os melhores tempos da minha vida, até minha aposentadoria, em 88. Há quinze anos, fui homenageada com uma placa fixada na sala de Orientação Educacional, em reconhecimento à minha dedicação e qualidade dos serviços prestados.

Quando me aposentei, pensava em cursar Psicologia, em São Carlos. Mas minha irmã, Cecília, filha do segundo casamento da minha mãe, faleceu, repentinamente, e a filha dela, Elizabeth, então com doze anos, veio morar conosco. Minha mãe estava na cadeira de rodas e Dita, com problemas de saúde. Mudei meus planos, criei Elizabeth como uma filha.
Comecei a fazer artesanato. Participava de feiras em Guaxupé e região com minha barraca, a Mariartes. Chegamos a ganhar um espaço da prefeitura para funcionar a FEART – Feira de Artesanato, batizada com o nome do Dr. Albertinho: foi bom enquanto durou. Em novembro de 91, um mês após a morte da minha mãe, abri a Floricultura Floriart, a pioneira da cidade a ter um site e a participar de um sistema de entregas de flores no mundo inteiro.
Há oito anos, participo do Núcleo de Orquidófilos de Guaxupé. Mantenho um orquidário nos fundos de casa, onde montei um cantinho em homenagem a São Francisco de Assis, meu santo de devoção. Sou católica, ajudo como posso a paróquia de São José do Operário. Sou co-fundadora dos clubes da terceira idade, Ponto de Encontro, Bebedouro e Flor do Campo, dos quais participo até hoje em dia.”

Desde 2005, Maria participa da Academia Brasileira dos Artistas Florais. Ano passado, recebeu da ACIG o título de Mérito Empresarial. Atualmente, cuida da irmã, paraplégica, oferece assistência em jardinagem e coleciona orquídeas, bromélias e plantas suculentas. Participa de um curso de terapia comunitária promovido pela Ação Social, que como ela diz, foi um presente de Deus. A partir de janeiro de 2011, tem projeto para iniciar o cultivo de plantas tropicais em um lote de 1.000 m², que já está sendo preparado para esta finalidade. Continua irrequieta, querendo sempre fazer mais.

Fotos:
1) A partir da esquerda, Beth, Sebastião, irmão do 2º casamento da mãe, a esposa dele, Edna, a sobrinha Lívia, Maria e o sobrinho Elton.
2) Moacyr Franco, no Clube Operário, canta Querida, a música preferida de Maria.
3) Fantasiada de baiana, no baile de carnaval da 3ª idade, no Clube Operário.
4) Dita, Maria e Beth, na Floriart.
5) Em 68, a 1ª turma de normalistas do colégio estadual.




Henry Vítor, um amigo especial que ultimamente só encontro no mundo virtual, é prova inconteste de que os sonhos não envelhecem:

Comentários

Marcus disse…
Sou de SP e leitor assiduo desse seus espaço, tenho muitos parentes ai em Guaxupé e lendo aqui me sinto as vezes mais próximos deles, gosto muito da seção ''minha história'' como essa dessa simpática senhora...

Abs Marcus
bisteca disse…
Oi, Marcus,
fico satisfeita por sua assiduidade e por fazer algo de bom para meus leitores. Qdo quiser, faça sugestões sobre temas ou imagens que gostaria de encontar por aqui.

Feliz 2011!

Sheila
utopia disse…
fomos colegas se não me engano pelo tempo todo que trabalhei no polivalente de guaxupé. Vc. chamava a atenção, inteligente e ligada no 220

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