as maritacas e o arco-íris
No final:
MINHA HISTÓRIA
João Ribeiro de Almeida entrou para a história do comércio guaxupeano com a loja Magnata.
Esta foto foi tirada alguns dias atrás, no final de uma tarde chuvosa. Somente o arco-íris iluminava a paisagem. Lá atrás, embora a foto não mostre, está o morro do cascalho, ao qual perdi o acesso e não posso mais assistir ao nascer das luas embalada pelo coachar dos sapos... Minha lente não tem grande angular, para mostrar arco-íris, maritacas e morro, ou teleobjetiva, para aproximar as maritacas do arco-íris. Desta forma, não posso mostrar como gostaria as duas pequeninas aves que secavam suas asas sobre os fios. Se tiver curiosidade, dá um zoom e veja como elas olham para mim no momento do click. Aliás, todas as tardes quando vou alimentar meus cães no quintal, a dupla aparece pra me dar um olá. Sinto um afeto especial pelas maritacas. Elas são fiéis companheiras, quando escolhem seus pares, permanecem juntas até o final. Claro, são barulhentas, também. Mas ninguém é perfeito, não é?
Infelizmente, além das imperfeições, muitas pessoas são mal-educadas. Isto é algo que incomoda bem mais que a algazarra das maritacas. Aliás, elas têm todo o direito de gritar, porque voam... rs (compreendeu?). Enfim, boas maneiras não podemos ensinar às aves, acho eu. Mas os humanos podem e devem aprender algumas regras da boa convivência. Além de não fazer mal a ninguém, a boa educação confere um charme a mais. Recentemente, foi publicado o livro "Na medida certa da boa educação", de Jerson Dotti e Zedu Lima. O prefácio foi muito bem-escrito pelo jornalista Silvio Henrique dos Reis, residente em Guaxupé. Silvio conheceu Jerson Dotti por e-mail, ao pesquisar sobre a influência positiva que a convivência com cães exercem nos idosos. Bem interessante, também, este tema, abordado por Silvio na extinta revista Atitude Interior. Voltando ao assunto proposto, aqui e agora, atualmente vivemos uma época em que muitos valores estão invertidos ou, até mesmo, esquecidos. Me surpreende o Arlindo Cruz cantando "salve a globalização", em homenagem à rede Globo. A mesma emissora que apresenta novelas em que a vingança, o assassinato e a crueldade são naturais. Entre muitas outras aberrações. O que vai salvar a Globo na hora do Juízo Final (atualmente, estou lendo A Batalha do Apocalipse) é o canal Futura e o Esquenta da Regina Casé no início das tardes de domingo (tá, e a qualidade das minisséries e de muitos profissionais, claro). O fato é que o tema abordado neste livro, Na medida certa, vem na hora certa, e com muito bom humor, a começar pelo marcador de páginas abaixo.
Eu aqui, sequinha, longe das inundações e dos tornados, na calmaria da minha rua, falo sobre arco-íris e maritacas. Enquanto isso, do Rio de Janeiro, Tony Bellotto aponta os crocodilos: http://veja.abril.com.br/blog/cenas-urbanas/brasil/crocodilos/
Um caipirão muito esperto
(no bom sentido, claro)
João Ribeiro de Almeida nasceu no sítio Cachoeira, zona rural de Juruaia, em 17.05.26, um dos doze filhos do casal Antenor Ribeiro de Almeida e Amélia Lucinda de Oliveira. Desde criança, demonstrou tino comercial e habilidade com os números. Assim, instalou um dos comércios mais tradicionais das últimas décadas do século XX, em Guaxupé – a loja Magnata. Ele atribui a si mesmo o termo caipira ao dizer que muitas pessoas se espantaram com tudo que ele construiu tendo apenas o primário incompleto, mas sem se gabar de algum feito especial, sempre com muita simplicidade.
“Meus pais eram sitiantes. Aos oito anos comecei a estudar, com meus irmãos José e Iolanda, na escola rural da fazenda do Manuel Gamero Barroso. A sala de aula ficava na tulha, junto com a máquina de beneficiar café. A professora, dona Judith, era muito enérgica com a molecada. A gente tinha que saber de cor os nomes dos países e suas capitais. No 2º ano, eu era o único que contava até 1.000. Estudei até o 3º primário.
Não tinha doze anos, mamãe dava o dinheiro para as compras na minha mão, porque eu sabia fazer contas, negociar e pedir descontos. O sítio ficava a seis léguas de Juruaia (a gente falava léguas em vez de quilômetros). Íamos pra cidade a pé ou a cavalo. No meio do caminho havia uma mata, na fazenda do Francisco Segreti, onde diziam que tinha até onça, mas nunca vi. Meus irmãos e eu não tínhamos medo de nada, papai sempre nos deu o exemplo.
Depois do almoço, ajudava a cuidar dos porcos e das galinhas, a cascar e debulhar milho. Mamãe torrava farinha no monjolo e moía fubá no munho. Brincávamos de peão e de bola no quintal, nossa bola era feita com meias velhas de naylon. Na lavoura de café a gente procurava por filipes - grão de café grudado em outro - que utilizávamos num jogo de apostas. Vencia quem jogava com o dedo o filipe na biloca (buraco na terra). Eu tinha uma sorte medonha. Há 75 anos, comecei a guardar esse dinheiro dentro de um saco. Consegui juntar oito quilos de moeda antiga, que guardo até hoje.
Até os doze anos não usei sapato, andava sempre descalço. Depois, comprei meu primeiro sapatão. Adolescente, ajudava papai a carrear o carro de boi. Era candieiro, ia à frente, com uma vara na mão, guiando os animais. Chamava todos pelos nomes. Aos 16, passei a andar sozinho numa carroça com quatro burros, puxava milho, feijão e café.
Papai era bravo, tínhamos medo dele. Já mamãe, não: era um encanto, nunca bateu ou falou asperamente com um filho. Para meus irmãos e eu ganharmos um dinheirinho, depois do expediente, papai nos deixava catar café e milho nas fazendas vizinhas.
Aos quinze anos, fui fazer compras com ele em São José do Rio Pardo. Com minhas economias comprei um violão e um método de estudo. Aprendi a tocar sozinho e, com o tempo, passei a fazer serenatas para as moças com os amigos. Também acompanhava o sanfoneiro nas festas da vizinhança.
Em 1947, ao completar maioridade, juntei minhas roupas numa mala e viajei de trem para São Paulo; a viagem durou um dia inteiro, a partir de Guaxupé. Deixei minha mãe contrariada, ela passou a rezar muito pedindo a Deus para eu voltar.
Tinha um primo, Estevão, que estudava para ser aviador. Este era, também, meu sonho. Mas como não tinha certificado de reservista, pois no interior lavrador era dispensado do tiro de guerra, não aceitaram minha matrícula na escola. Ainda, me encaminharam para o exército, em Santana, bairro da capital, onde fiquei dois meses. Só consegui voltar quando chegou uma carta de autorização dizendo que receberia meu certificado em Muzambinho. Gastei todas minhas economias em São Paulo.
Homem de negócios
No mesmo ano, papai me emprestou dinheiro para eu comprar, em sociedade com meu irmão Nestor, o armazém de tecidos, armarinhos e secos e molhados do Sinebaldo Ragi, situado na Estação Santa Isméria, município de Muzambinho. Ficamos nesse negócio muitos anos.
As moças costumavam passear na estação à espera do trem da Mogiana. Eu era namorador. Em 1948, conheci Paschoalina Benedetti, trocamos olhares e me encantei por ela, começamos a namorar. Após um ano, nos casamos. Eu já morava numa casa aos fundos da estação, onde continuamos depois de casados. Lá nasceram nossos primeiros filhos: Dora Eunice, Ercília Eliete e Edésio Fernando, os três registrados em Guaxupé, cidade em que moravam meus sogros.
Em 1953, vendemos o armazém para nossos irmãos. Comprei um negócio em Ribeirão Preto, mas não me adaptei ao calor da cidade. Depois de um ano e meio, em 1955, viemos para Guaxupé. Minha mulher estava grávida da nossa 4ª filha, Edna Maria, que nasceu no mesmo ano.
Comprei a fábrica de bebidas Pérola, situada no Taboão. Passei a fabricar guaraná e xarope de groselha. Também revendia bebidas alcoólicas. No ano seguinte, vendi a fábrica e abri uma distribuidora de armarinhos, junto com meu irmão Antônio Carlos. Em seguida, juntou-se a nós o Nicola Maximiliano, que era viajante do Jacó Miguel Sabbag.
A partir daí, surgiu o nome Comercial Magnata Ltda. Diziam que a família do Nicola era magnata porque vieram de São Paulo e tinham dinheiro. Naquele tempo, a palavra dada valia: combinamos que nossa sociedade duraria cinco anos. No final desse prazo, Nicola saiu porque achávamos melhor manter a sociedade em família.
Nesse ínterim, completamos oito filhos com o nascimento de Elisabete, em 57, Enilce, em 59, Edilberto, em 61, e Edmilson, em 63. Eu quase não parava em casa. Muitas vezes, trabalhava aos domingos, botando ou remarcando os preços das mercadorias. Eram quatro viajantes vendendo nossos produtos na região.
Em 1970, construímos o prédio na esquina da Avenida Dr. João Carlos com a Conde Ribeiro do Valle, conhecido até hoje como prédio do Magnata, onde montamos a loja de varejo no térreo e com este nome. Mário Gonçalves foi o arquiteto responsável pela obra. O irmão do João Ratão, que era engenheiro em Brasília, veio fazer o cálculo das ferragens para a construção.
Ainda, compramos o prédio do Benedito Rezende, na Avenida Dona Mariana, onde instalamos o atacado. Eu era o responsável pelas compras, em São Paulo, Campinas e Ribeirão. Graças a Deus, tinha muita facilidade em fazer negócios. Em 79, meu irmão adoeceu e acabou falecendo. Em 1982, aposentei-me, mas continuei trabalhando. Fechei o atacado em 1988. Continuo na loja ajudando meu filho Edmilson e a esposa dele, Adriana, que são os novos proprietários. Faço todo o serviço de banco para eles.
Cidadão guaxupeano
Durante muitos anos fui associado da ACIG. Por volta de 1973, junto com Latif Abrão e outros associados, ajudei o delegado Mário Zucato a angariar dinheiro para mobiliar a delegacia. Ele foi o 1º delegado regional em Guaxupé.
Fui comissário de menor durante alguns anos, assinava autorização para os menores viajarem com os pais. Não deixava menor de idade entrar no cinema. Para fiscalizar, também tinha acesso livre a todos os eventos que aconteciam na cidade.
Sei 200 hinos da igreja, embora nem todos de cor. Em 1972, monsenhor Hilário me convidou para fazer um cursilho de cristandade, em Aparecida do Norte. Chorei uns três dias: conhecer os ensinamentos de Deus tocou muito meu coração. Mamãe só nos ensinou a rezar o pai-nosso e a ave-maria. Em 73, a convite do Benevides Leonel, um grande amigo e companheiro, participei do movimento vicentino, que entregava cestas básicas a pessoas carentes. No mesmo ano fiz o TLC – Treinamento de Liderança Cristã, que me possibilitou fazer amizades com muitos jovens.
Durante sete anos fui presidente da Vila Vicentina. Quando algum morador ficava doente, era levado para o hospital no meu carro. Nessa época - não sou bom de datas - construímos um barracão onde hoje é o refeitório coletivo. As telhas para o telhado foram doadas pelo tio Olavo (Barbosa), a quem chamo de tio porque tem mais dinheiro do que eu (risos). Também fui voluntário do Lar São Vicente, a convite do Paschoal Petreca, então presidente da instituição.
Em 76, participei de uma experiência de oração no Colégio Imaculada Conceição. Foi uma beleza. Em 78, estive em um encontro da Opus Dei, no interior de São Paulo. Em 86, fui convidado para ser ministro da eucaristia e durante quinze anos ajudei nas missas da Catedral; também, fiz pregação nas roças levando a hóstia consagrada.
Através dos cursos cristãos, fiz amizade com muitas autoridades. Junto com o promotor Dr. José Loyola visitava a cadeia pública municipal. Ele jogava malha com os detentos no pátio; eu ficava conversando com eles, apanhei amizade com muitos. Certa vez, um japonês, preso por estelionato, foi transferido para a cadeia de Ribeirão das Neves. Chegou a me escrever uma carta dizendo que nunca mais cometeria crimes. Quando foi solto, voltou à cidade para me agradecer.
Em 99, participei da oficina Oração e Vida. As orações eram feitas em jejum, durante toda a manhã. Depois, trocávamos experiências entre os participantes. De 2001 a 2007, integrei o Amor Exigente, onde acontecem reuniões em que cada participante fala da sua experiência de vida e procura ajudar um ao outro.”
Atualmente, seo João tem catorze netos, uma bisneta e outras duas a caminho. Faz as compras de supermercado para casa e gosta de tomar café da tarde com os quitutes preparados por sua esposa, que segundo ele, cozinha como ninguém.
Foto:
1)Em 1944, João fotografado por Rayon.
2)Casamento de Paschoalina e João, em 23.04.49.
3)Nas Bodas de Prata do casal, com os filhos Edésio, Dora, Bete, Ercília, Enilce, Edna e Edmilson; a nora Delma com Andréia, neta, no colo.
4)O casal troca alianças na comemoração das Bodas de Ouro.
5)Os avós “Páschoa” e João entre os netos, em 2009, festejando as Bodas de Diamante.
Patrocínio Minha História:
MINHA HISTÓRIA
João Ribeiro de Almeida entrou para a história do comércio guaxupeano com a loja Magnata.
Esta foto foi tirada alguns dias atrás, no final de uma tarde chuvosa. Somente o arco-íris iluminava a paisagem. Lá atrás, embora a foto não mostre, está o morro do cascalho, ao qual perdi o acesso e não posso mais assistir ao nascer das luas embalada pelo coachar dos sapos... Minha lente não tem grande angular, para mostrar arco-íris, maritacas e morro, ou teleobjetiva, para aproximar as maritacas do arco-íris. Desta forma, não posso mostrar como gostaria as duas pequeninas aves que secavam suas asas sobre os fios. Se tiver curiosidade, dá um zoom e veja como elas olham para mim no momento do click. Aliás, todas as tardes quando vou alimentar meus cães no quintal, a dupla aparece pra me dar um olá. Sinto um afeto especial pelas maritacas. Elas são fiéis companheiras, quando escolhem seus pares, permanecem juntas até o final. Claro, são barulhentas, também. Mas ninguém é perfeito, não é?
Infelizmente, além das imperfeições, muitas pessoas são mal-educadas. Isto é algo que incomoda bem mais que a algazarra das maritacas. Aliás, elas têm todo o direito de gritar, porque voam... rs (compreendeu?). Enfim, boas maneiras não podemos ensinar às aves, acho eu. Mas os humanos podem e devem aprender algumas regras da boa convivência. Além de não fazer mal a ninguém, a boa educação confere um charme a mais. Recentemente, foi publicado o livro "Na medida certa da boa educação", de Jerson Dotti e Zedu Lima. O prefácio foi muito bem-escrito pelo jornalista Silvio Henrique dos Reis, residente em Guaxupé. Silvio conheceu Jerson Dotti por e-mail, ao pesquisar sobre a influência positiva que a convivência com cães exercem nos idosos. Bem interessante, também, este tema, abordado por Silvio na extinta revista Atitude Interior. Voltando ao assunto proposto, aqui e agora, atualmente vivemos uma época em que muitos valores estão invertidos ou, até mesmo, esquecidos. Me surpreende o Arlindo Cruz cantando "salve a globalização", em homenagem à rede Globo. A mesma emissora que apresenta novelas em que a vingança, o assassinato e a crueldade são naturais. Entre muitas outras aberrações. O que vai salvar a Globo na hora do Juízo Final (atualmente, estou lendo A Batalha do Apocalipse) é o canal Futura e o Esquenta da Regina Casé no início das tardes de domingo (tá, e a qualidade das minisséries e de muitos profissionais, claro). O fato é que o tema abordado neste livro, Na medida certa, vem na hora certa, e com muito bom humor, a começar pelo marcador de páginas abaixo.
Eu aqui, sequinha, longe das inundações e dos tornados, na calmaria da minha rua, falo sobre arco-íris e maritacas. Enquanto isso, do Rio de Janeiro, Tony Bellotto aponta os crocodilos: http://veja.abril.com.br/blog/cenas-urbanas/brasil/crocodilos/
Um caipirão muito esperto
(no bom sentido, claro)
João Ribeiro de Almeida nasceu no sítio Cachoeira, zona rural de Juruaia, em 17.05.26, um dos doze filhos do casal Antenor Ribeiro de Almeida e Amélia Lucinda de Oliveira. Desde criança, demonstrou tino comercial e habilidade com os números. Assim, instalou um dos comércios mais tradicionais das últimas décadas do século XX, em Guaxupé – a loja Magnata. Ele atribui a si mesmo o termo caipira ao dizer que muitas pessoas se espantaram com tudo que ele construiu tendo apenas o primário incompleto, mas sem se gabar de algum feito especial, sempre com muita simplicidade.
“Meus pais eram sitiantes. Aos oito anos comecei a estudar, com meus irmãos José e Iolanda, na escola rural da fazenda do Manuel Gamero Barroso. A sala de aula ficava na tulha, junto com a máquina de beneficiar café. A professora, dona Judith, era muito enérgica com a molecada. A gente tinha que saber de cor os nomes dos países e suas capitais. No 2º ano, eu era o único que contava até 1.000. Estudei até o 3º primário.
Não tinha doze anos, mamãe dava o dinheiro para as compras na minha mão, porque eu sabia fazer contas, negociar e pedir descontos. O sítio ficava a seis léguas de Juruaia (a gente falava léguas em vez de quilômetros). Íamos pra cidade a pé ou a cavalo. No meio do caminho havia uma mata, na fazenda do Francisco Segreti, onde diziam que tinha até onça, mas nunca vi. Meus irmãos e eu não tínhamos medo de nada, papai sempre nos deu o exemplo.
Depois do almoço, ajudava a cuidar dos porcos e das galinhas, a cascar e debulhar milho. Mamãe torrava farinha no monjolo e moía fubá no munho. Brincávamos de peão e de bola no quintal, nossa bola era feita com meias velhas de naylon. Na lavoura de café a gente procurava por filipes - grão de café grudado em outro - que utilizávamos num jogo de apostas. Vencia quem jogava com o dedo o filipe na biloca (buraco na terra). Eu tinha uma sorte medonha. Há 75 anos, comecei a guardar esse dinheiro dentro de um saco. Consegui juntar oito quilos de moeda antiga, que guardo até hoje.
Até os doze anos não usei sapato, andava sempre descalço. Depois, comprei meu primeiro sapatão. Adolescente, ajudava papai a carrear o carro de boi. Era candieiro, ia à frente, com uma vara na mão, guiando os animais. Chamava todos pelos nomes. Aos 16, passei a andar sozinho numa carroça com quatro burros, puxava milho, feijão e café.
Papai era bravo, tínhamos medo dele. Já mamãe, não: era um encanto, nunca bateu ou falou asperamente com um filho. Para meus irmãos e eu ganharmos um dinheirinho, depois do expediente, papai nos deixava catar café e milho nas fazendas vizinhas.
Aos quinze anos, fui fazer compras com ele em São José do Rio Pardo. Com minhas economias comprei um violão e um método de estudo. Aprendi a tocar sozinho e, com o tempo, passei a fazer serenatas para as moças com os amigos. Também acompanhava o sanfoneiro nas festas da vizinhança.
Em 1947, ao completar maioridade, juntei minhas roupas numa mala e viajei de trem para São Paulo; a viagem durou um dia inteiro, a partir de Guaxupé. Deixei minha mãe contrariada, ela passou a rezar muito pedindo a Deus para eu voltar.
Tinha um primo, Estevão, que estudava para ser aviador. Este era, também, meu sonho. Mas como não tinha certificado de reservista, pois no interior lavrador era dispensado do tiro de guerra, não aceitaram minha matrícula na escola. Ainda, me encaminharam para o exército, em Santana, bairro da capital, onde fiquei dois meses. Só consegui voltar quando chegou uma carta de autorização dizendo que receberia meu certificado em Muzambinho. Gastei todas minhas economias em São Paulo.
Homem de negócios
No mesmo ano, papai me emprestou dinheiro para eu comprar, em sociedade com meu irmão Nestor, o armazém de tecidos, armarinhos e secos e molhados do Sinebaldo Ragi, situado na Estação Santa Isméria, município de Muzambinho. Ficamos nesse negócio muitos anos.
As moças costumavam passear na estação à espera do trem da Mogiana. Eu era namorador. Em 1948, conheci Paschoalina Benedetti, trocamos olhares e me encantei por ela, começamos a namorar. Após um ano, nos casamos. Eu já morava numa casa aos fundos da estação, onde continuamos depois de casados. Lá nasceram nossos primeiros filhos: Dora Eunice, Ercília Eliete e Edésio Fernando, os três registrados em Guaxupé, cidade em que moravam meus sogros.
Em 1953, vendemos o armazém para nossos irmãos. Comprei um negócio em Ribeirão Preto, mas não me adaptei ao calor da cidade. Depois de um ano e meio, em 1955, viemos para Guaxupé. Minha mulher estava grávida da nossa 4ª filha, Edna Maria, que nasceu no mesmo ano.
Comprei a fábrica de bebidas Pérola, situada no Taboão. Passei a fabricar guaraná e xarope de groselha. Também revendia bebidas alcoólicas. No ano seguinte, vendi a fábrica e abri uma distribuidora de armarinhos, junto com meu irmão Antônio Carlos. Em seguida, juntou-se a nós o Nicola Maximiliano, que era viajante do Jacó Miguel Sabbag.
A partir daí, surgiu o nome Comercial Magnata Ltda. Diziam que a família do Nicola era magnata porque vieram de São Paulo e tinham dinheiro. Naquele tempo, a palavra dada valia: combinamos que nossa sociedade duraria cinco anos. No final desse prazo, Nicola saiu porque achávamos melhor manter a sociedade em família.
Nesse ínterim, completamos oito filhos com o nascimento de Elisabete, em 57, Enilce, em 59, Edilberto, em 61, e Edmilson, em 63. Eu quase não parava em casa. Muitas vezes, trabalhava aos domingos, botando ou remarcando os preços das mercadorias. Eram quatro viajantes vendendo nossos produtos na região.
Em 1970, construímos o prédio na esquina da Avenida Dr. João Carlos com a Conde Ribeiro do Valle, conhecido até hoje como prédio do Magnata, onde montamos a loja de varejo no térreo e com este nome. Mário Gonçalves foi o arquiteto responsável pela obra. O irmão do João Ratão, que era engenheiro em Brasília, veio fazer o cálculo das ferragens para a construção.
Ainda, compramos o prédio do Benedito Rezende, na Avenida Dona Mariana, onde instalamos o atacado. Eu era o responsável pelas compras, em São Paulo, Campinas e Ribeirão. Graças a Deus, tinha muita facilidade em fazer negócios. Em 79, meu irmão adoeceu e acabou falecendo. Em 1982, aposentei-me, mas continuei trabalhando. Fechei o atacado em 1988. Continuo na loja ajudando meu filho Edmilson e a esposa dele, Adriana, que são os novos proprietários. Faço todo o serviço de banco para eles.
Cidadão guaxupeano
Durante muitos anos fui associado da ACIG. Por volta de 1973, junto com Latif Abrão e outros associados, ajudei o delegado Mário Zucato a angariar dinheiro para mobiliar a delegacia. Ele foi o 1º delegado regional em Guaxupé.
Fui comissário de menor durante alguns anos, assinava autorização para os menores viajarem com os pais. Não deixava menor de idade entrar no cinema. Para fiscalizar, também tinha acesso livre a todos os eventos que aconteciam na cidade.
Sei 200 hinos da igreja, embora nem todos de cor. Em 1972, monsenhor Hilário me convidou para fazer um cursilho de cristandade, em Aparecida do Norte. Chorei uns três dias: conhecer os ensinamentos de Deus tocou muito meu coração. Mamãe só nos ensinou a rezar o pai-nosso e a ave-maria. Em 73, a convite do Benevides Leonel, um grande amigo e companheiro, participei do movimento vicentino, que entregava cestas básicas a pessoas carentes. No mesmo ano fiz o TLC – Treinamento de Liderança Cristã, que me possibilitou fazer amizades com muitos jovens.
Durante sete anos fui presidente da Vila Vicentina. Quando algum morador ficava doente, era levado para o hospital no meu carro. Nessa época - não sou bom de datas - construímos um barracão onde hoje é o refeitório coletivo. As telhas para o telhado foram doadas pelo tio Olavo (Barbosa), a quem chamo de tio porque tem mais dinheiro do que eu (risos). Também fui voluntário do Lar São Vicente, a convite do Paschoal Petreca, então presidente da instituição.
Em 76, participei de uma experiência de oração no Colégio Imaculada Conceição. Foi uma beleza. Em 78, estive em um encontro da Opus Dei, no interior de São Paulo. Em 86, fui convidado para ser ministro da eucaristia e durante quinze anos ajudei nas missas da Catedral; também, fiz pregação nas roças levando a hóstia consagrada.
Através dos cursos cristãos, fiz amizade com muitas autoridades. Junto com o promotor Dr. José Loyola visitava a cadeia pública municipal. Ele jogava malha com os detentos no pátio; eu ficava conversando com eles, apanhei amizade com muitos. Certa vez, um japonês, preso por estelionato, foi transferido para a cadeia de Ribeirão das Neves. Chegou a me escrever uma carta dizendo que nunca mais cometeria crimes. Quando foi solto, voltou à cidade para me agradecer.
Em 99, participei da oficina Oração e Vida. As orações eram feitas em jejum, durante toda a manhã. Depois, trocávamos experiências entre os participantes. De 2001 a 2007, integrei o Amor Exigente, onde acontecem reuniões em que cada participante fala da sua experiência de vida e procura ajudar um ao outro.”
Atualmente, seo João tem catorze netos, uma bisneta e outras duas a caminho. Faz as compras de supermercado para casa e gosta de tomar café da tarde com os quitutes preparados por sua esposa, que segundo ele, cozinha como ninguém.
Foto:
1)Em 1944, João fotografado por Rayon.
2)Casamento de Paschoalina e João, em 23.04.49.
3)Nas Bodas de Prata do casal, com os filhos Edésio, Dora, Bete, Ercília, Enilce, Edna e Edmilson; a nora Delma com Andréia, neta, no colo.
4)O casal troca alianças na comemoração das Bodas de Ouro.
5)Os avós “Páschoa” e João entre os netos, em 2009, festejando as Bodas de Diamante.
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