dar graça é fundamental
Mercedes Casal dos Santos Clemente nasceu em 19.12.19, em São Simão, cidade do interior paulista, filha do espanhol Camilo Casal e da austríaca Josefa Mauer Casal. A menina Mercedes teve uma infância modesta, aprendeu a tricotar com uma agulha de bambu confeccionada por ela mesma. Atualmente, com 91 anos, tem muitas agulhas para tricotar e fazer crochê, suas atividades preferidas. O nome Mercedes, cuja tradução do latim é “dar graça”, sempre com um sorriso nos lábios confere meiguice e doçura a todos ao seu redor.
“Meu pai era maquinista da ferrovia São Paulo-Minas, faleceu quando eu tinha apenas dois anos. Então, mamãe se mudou para Guaxupé comigo e com minha irmã Alzira, quatro anos mais velha que eu, para morar na casa da nossa avó, Joana Mauer, também viúva. Nosso tio, André Mauer, trabalhava com beneficiamento de café no armazém do Frota e outro, José Mauer, tinha o Curtume Santa Cruz, no bairro homônimo.
Mamãe começou a trabalhar na casa da filha do Conde Ribeiro do Valle, na Praça da Catedral. Quando eu chorava, vovó enganava minha fome com feijão pagão e polenta picadinha, até minha mãe chegar e me dar de mamar. Minha irmã tinha uma doença na vista, desde recém-nascida, por este motivo não costumávamos sair muito de casa.
Minha mãe também lavava roupas pra fora. Comecei a ajudá-la, aos sete anos, buscando e levando roupas nas casas das freguesas. Depois, ela passou, também, a costurar. Disse que aprendera o ofício com meu pai, que desmanchou uma calça dele pra ela poder fazer outra igual.
Comecei a estudar no Grupo Delfim, mas logo parei, precisava ajudar em casa. Vó Joana morreu quando eu estava com 10 anos. Costumava brincar na porta de casa, depois da janta. Sentava na beirada do passeio e aprendia a fazer crochê, sozinha, com uma agulha que mamãe comprou pra mim. Para fazer tricô, lixei um pedaço de bambu e o transformei em agulha.
Aos doze anos, fui trabalhar como copeira na pensão da dona Maria, nossa vizinha.
Quando ela decidiu vender a pensão, todos os fregueses e funcionários decidiram sair, mas ela pediu que ficassem. Os fregueses disseram: se a veia ficar, a gente fica. Eu era chamada assim porque tinha o cabelo muito claro. Atendendo aos pedidos, fiquei mais um tempo com a nova proprietária.
Depois, fui catar café no armazém do Frota. Em seguida, na cooperativa de café onde, atualmente, é o cinema. Certa vez, quando o prédio estava em reforma pra ser ampliado, houve um temporal. Ventou tanto dentro do barracão que caiu toda a poeira das telhas sobre os funcionários, ficamos cobertos. No local, havia muitos bancos. Na confusão, vários funcionários machucaram a perna, tendo que fazer curativos na farmácia do seo Paschoal Vômero, situada em frente.
Nos meus tempos de mocinha, gostava de passear na avenida com minhas amigas Catarina, Elvira, Geni e Genoveva Nalon, Alice Lepiane e outras. Enquanto dávamos voltas na praça do coreto para paquerar, mamãe nos esperava sentada em um banco.
Minha mãe costumava fazer remédios caseiros, com ervas e plantas medicinais. Uma vez, uma vizinha, Alzira, cortou o dedo e mamãe quis fazer um curativo com erva de Santa Maria no machucado. Mas o marido dela preferiu procurar o médico. Com o tempo, o dedo inchou e teve que ser cortado. Foi preciso fazer uma cirurgia em Campinas.
Quando Alzira voltou, precisou da nossa ajuda. Logo, ela e o marido se mudaram para Casa Branca e me convidaram para ir com eles. Eu tinha 19 anos. Arrumei emprego na tecelagem Nossa Senhora do Desterro. Trabalhava com dois teares industriais, cada um produzia dois rolos de brim por dia. Se desse algum problema, eu chamava o mecânico. Conversava pouco com os colegas, pois tinha um gerente que ficava nos vigiando. Vivia bêbado, tinha medo dele.
De titia à mãe de família
Passados cinco anos, mais ou menos, parei de trabalhar para me casar com Manoel dos Santos Clemente, filho de português com italiana. A gente já se conhecia dos tempos da pensão da dona Maria. Ele era maquinista da Mogiana e estava morando em Casa Branca. Eu passava pela estação todos os dias no caminho para a tecelagem.
Um dia, ele estava manobrando uma máquina quando me viu e gritou: veia, o que ce ta fazendo aqui? Mais pra frente, ele sofreu um acidente, caiu da máquina e quebrou a costela, tirando licença do serviço. Nos reencontramos num passeio no parque municipal. Ele estava viúvo e com dois filhos, Luiz, 12, e Jayme, 8. Eu tinha apenas 24 anos e já diziam que ficaria pra titia. Nos casamos após seis meses, em 18.09.44.
Manoel viajava muito. Quando ele não estava em casa, os meninos pediam para dormir na cama comigo. Após um ano nasceu nossa primogênita, Theresinha. Ela tinha apenas seis meses quando nos mudamos para Guaxupé. Fomos morar no Taboão. Meu marido era maquinista de trem de carga, não tinha data certa pra viajar. Lembro do chamador batendo na porta de casa às 3 ou 4 horas da manhã para avisar que o trem iria partir. Eu levantava e preparava a comida do Manoel.
Nessa época, minha irmã estava casada com Agostinho Palos e nossa mãe morava com ela. Lembro de um tombo que levei na rua, com Theresinha no colo. De tanta preocupação com minha filha, não percebi que havia machucado a boca. Fui medicada pelo seo Paschoal Vômero.
Tive um filho a cada quatro anos. A segunda foi Carmem Lúcia, a mais levada, vivia fazendo arte. Nasceu às 6 da manhã. Na noite anterior, estava tomando café na casa da minha vizinha. Todos os meus filhos nasceram de parto natural e sem ajuda médica. Os nscidos em Guaxupé vieram pelas mãos da parteira dona Augusta: Carmem Lúcia, Manoel Camilo, José e Carlos Henrique.
Somente José nasceu temporão, de sete meses. Era tão miudinho e magrinho que eu até chorava na hora de dar banho nele. Não se dava com o leite, só engordou quando passou a tomar leite Ninho.
Entre o nascimento de José e de meu filho caçula, peguei um bebê recém-nascido para criar, chamado João Batista de Castro. Fui buscá-lo no hospital, mas não quis conhecer a mãe. Havia feito intenção de adotar uma criança se sarasse de uma flebite que me deixou internada 40 dias no hospital de Campinas, por volta de 1954. Viajei no mesmo trem-leito que o Dr. Antônio Coragem. Ele morreu no hospital enquanto eu estava internada.
Costumava passear com minha família nas festas de Nossa Senhora Aparecida, em frente à igreja. Não voltávamos para casa sem ver a queima de fogos que acontecia sempre entre uma e duas horas da manhã. Também levava meus filhos no circo e pra brincar no parque, quando havia um na cidade.
Cheguei a pegar serviços de costura. Tinha poucas freguesas, pois o trabalho em casa era muito. Therezinha e Carmem Lúcia me ajudavam, mas brigavam porque não queriam lavar a louça. Então, revezavam: enquanto uma lavava, a outra enxugava e guardava. Carmem Lúcia subia num toquinho para alcançar a pia. Naquele tempo, não tinha televisão. Depois da janta, nos reuníamos na sala para conversar.
Estava casada há 35 anos quando Manoel adoeceu e acabou falecendo. Foi difícil ficar sem ele. Mas dor pior senti quando perdi meu filho, Manoel Camilo, devido a um acidente de carro, em 95.”
Dona Mercedes foi a primeira moradora de Guaxupé a decorar a fachada da sua casa no Natal. Desde 1986, seu endereço, na Av. Dona Mariana, virou atração turística, em dezembro. No primeiro ano, Papai Noel entrava numa chaminé especialmente confeccionada para a ocasião. Até hoje, nenhum tema foi repetido. Papai Noel já subiu no telhado em uma corda, descansou numa rede entre dois coqueiros, entregou presentes a uma criança pobre, foi homem-aranha e, em 2010, virou DJ. O boneco do Papai Noel e seus companheiros são idealizados e confeccionados por Dona Mercedes, mas a criação dos temas anuais conta com a participação de toda a família Clemente, que até pouco tempo atrás visitava instituições e bairros mais carentes distribuindo presentes no Natal.
Fotos:
1) No aniversário de 91 anos, dona Mercedes está rodeada pelos filhos, noras e netos, embora, atualmente, sejam 16 netos, 16 bisnetos e 6 tataranetos.
2) Os padrinhos de casamento Mercedes e Manoel Clemente, à esquerda do casal Hélio Scarassati e Glória Silva.
3) No parabéns dos 80 anos, sempre rodeada por filhos e netos.
4) Mercedes Casal, aos 19 anos.
5) Mercedes, a 2ª a partir da esquerda, com as irmãs Catarina, Elvira e Geni Nalon, fotografadas pelo também amigo Argemiro Baisi.
6) O Papai Noel José Clemente, entre a mãe e tia Alzira, distribuía presentes às crianças carentes junto com outros familiares.
OFICINA DE PERCUSSÃO
Hoje, 8, e amanhã, 9, acontece a 1ª oficina de percussão do Viralatas do Samba, na Casa da Vó Maria, das 14 às 18h. Deu pra tirar a poeira dos tambores e entrar no ritmo, mesmo com a chuva forte que caiu durante esta tarde de sábado. O mestre de bateria do bloco, Luiz Paulo Ferreira, ficou satisfeito com o resultado. Nós, também.
“Meu pai era maquinista da ferrovia São Paulo-Minas, faleceu quando eu tinha apenas dois anos. Então, mamãe se mudou para Guaxupé comigo e com minha irmã Alzira, quatro anos mais velha que eu, para morar na casa da nossa avó, Joana Mauer, também viúva. Nosso tio, André Mauer, trabalhava com beneficiamento de café no armazém do Frota e outro, José Mauer, tinha o Curtume Santa Cruz, no bairro homônimo.
Mamãe começou a trabalhar na casa da filha do Conde Ribeiro do Valle, na Praça da Catedral. Quando eu chorava, vovó enganava minha fome com feijão pagão e polenta picadinha, até minha mãe chegar e me dar de mamar. Minha irmã tinha uma doença na vista, desde recém-nascida, por este motivo não costumávamos sair muito de casa.
Minha mãe também lavava roupas pra fora. Comecei a ajudá-la, aos sete anos, buscando e levando roupas nas casas das freguesas. Depois, ela passou, também, a costurar. Disse que aprendera o ofício com meu pai, que desmanchou uma calça dele pra ela poder fazer outra igual.
Comecei a estudar no Grupo Delfim, mas logo parei, precisava ajudar em casa. Vó Joana morreu quando eu estava com 10 anos. Costumava brincar na porta de casa, depois da janta. Sentava na beirada do passeio e aprendia a fazer crochê, sozinha, com uma agulha que mamãe comprou pra mim. Para fazer tricô, lixei um pedaço de bambu e o transformei em agulha.
Aos doze anos, fui trabalhar como copeira na pensão da dona Maria, nossa vizinha.
Quando ela decidiu vender a pensão, todos os fregueses e funcionários decidiram sair, mas ela pediu que ficassem. Os fregueses disseram: se a veia ficar, a gente fica. Eu era chamada assim porque tinha o cabelo muito claro. Atendendo aos pedidos, fiquei mais um tempo com a nova proprietária.
Depois, fui catar café no armazém do Frota. Em seguida, na cooperativa de café onde, atualmente, é o cinema. Certa vez, quando o prédio estava em reforma pra ser ampliado, houve um temporal. Ventou tanto dentro do barracão que caiu toda a poeira das telhas sobre os funcionários, ficamos cobertos. No local, havia muitos bancos. Na confusão, vários funcionários machucaram a perna, tendo que fazer curativos na farmácia do seo Paschoal Vômero, situada em frente.
Nos meus tempos de mocinha, gostava de passear na avenida com minhas amigas Catarina, Elvira, Geni e Genoveva Nalon, Alice Lepiane e outras. Enquanto dávamos voltas na praça do coreto para paquerar, mamãe nos esperava sentada em um banco.
Minha mãe costumava fazer remédios caseiros, com ervas e plantas medicinais. Uma vez, uma vizinha, Alzira, cortou o dedo e mamãe quis fazer um curativo com erva de Santa Maria no machucado. Mas o marido dela preferiu procurar o médico. Com o tempo, o dedo inchou e teve que ser cortado. Foi preciso fazer uma cirurgia em Campinas.
Quando Alzira voltou, precisou da nossa ajuda. Logo, ela e o marido se mudaram para Casa Branca e me convidaram para ir com eles. Eu tinha 19 anos. Arrumei emprego na tecelagem Nossa Senhora do Desterro. Trabalhava com dois teares industriais, cada um produzia dois rolos de brim por dia. Se desse algum problema, eu chamava o mecânico. Conversava pouco com os colegas, pois tinha um gerente que ficava nos vigiando. Vivia bêbado, tinha medo dele.
De titia à mãe de família
Passados cinco anos, mais ou menos, parei de trabalhar para me casar com Manoel dos Santos Clemente, filho de português com italiana. A gente já se conhecia dos tempos da pensão da dona Maria. Ele era maquinista da Mogiana e estava morando em Casa Branca. Eu passava pela estação todos os dias no caminho para a tecelagem.
Um dia, ele estava manobrando uma máquina quando me viu e gritou: veia, o que ce ta fazendo aqui? Mais pra frente, ele sofreu um acidente, caiu da máquina e quebrou a costela, tirando licença do serviço. Nos reencontramos num passeio no parque municipal. Ele estava viúvo e com dois filhos, Luiz, 12, e Jayme, 8. Eu tinha apenas 24 anos e já diziam que ficaria pra titia. Nos casamos após seis meses, em 18.09.44.
Manoel viajava muito. Quando ele não estava em casa, os meninos pediam para dormir na cama comigo. Após um ano nasceu nossa primogênita, Theresinha. Ela tinha apenas seis meses quando nos mudamos para Guaxupé. Fomos morar no Taboão. Meu marido era maquinista de trem de carga, não tinha data certa pra viajar. Lembro do chamador batendo na porta de casa às 3 ou 4 horas da manhã para avisar que o trem iria partir. Eu levantava e preparava a comida do Manoel.
Nessa época, minha irmã estava casada com Agostinho Palos e nossa mãe morava com ela. Lembro de um tombo que levei na rua, com Theresinha no colo. De tanta preocupação com minha filha, não percebi que havia machucado a boca. Fui medicada pelo seo Paschoal Vômero.
Tive um filho a cada quatro anos. A segunda foi Carmem Lúcia, a mais levada, vivia fazendo arte. Nasceu às 6 da manhã. Na noite anterior, estava tomando café na casa da minha vizinha. Todos os meus filhos nasceram de parto natural e sem ajuda médica. Os nscidos em Guaxupé vieram pelas mãos da parteira dona Augusta: Carmem Lúcia, Manoel Camilo, José e Carlos Henrique.
Somente José nasceu temporão, de sete meses. Era tão miudinho e magrinho que eu até chorava na hora de dar banho nele. Não se dava com o leite, só engordou quando passou a tomar leite Ninho.
Entre o nascimento de José e de meu filho caçula, peguei um bebê recém-nascido para criar, chamado João Batista de Castro. Fui buscá-lo no hospital, mas não quis conhecer a mãe. Havia feito intenção de adotar uma criança se sarasse de uma flebite que me deixou internada 40 dias no hospital de Campinas, por volta de 1954. Viajei no mesmo trem-leito que o Dr. Antônio Coragem. Ele morreu no hospital enquanto eu estava internada.
Costumava passear com minha família nas festas de Nossa Senhora Aparecida, em frente à igreja. Não voltávamos para casa sem ver a queima de fogos que acontecia sempre entre uma e duas horas da manhã. Também levava meus filhos no circo e pra brincar no parque, quando havia um na cidade.
Cheguei a pegar serviços de costura. Tinha poucas freguesas, pois o trabalho em casa era muito. Therezinha e Carmem Lúcia me ajudavam, mas brigavam porque não queriam lavar a louça. Então, revezavam: enquanto uma lavava, a outra enxugava e guardava. Carmem Lúcia subia num toquinho para alcançar a pia. Naquele tempo, não tinha televisão. Depois da janta, nos reuníamos na sala para conversar.
Estava casada há 35 anos quando Manoel adoeceu e acabou falecendo. Foi difícil ficar sem ele. Mas dor pior senti quando perdi meu filho, Manoel Camilo, devido a um acidente de carro, em 95.”
Dona Mercedes foi a primeira moradora de Guaxupé a decorar a fachada da sua casa no Natal. Desde 1986, seu endereço, na Av. Dona Mariana, virou atração turística, em dezembro. No primeiro ano, Papai Noel entrava numa chaminé especialmente confeccionada para a ocasião. Até hoje, nenhum tema foi repetido. Papai Noel já subiu no telhado em uma corda, descansou numa rede entre dois coqueiros, entregou presentes a uma criança pobre, foi homem-aranha e, em 2010, virou DJ. O boneco do Papai Noel e seus companheiros são idealizados e confeccionados por Dona Mercedes, mas a criação dos temas anuais conta com a participação de toda a família Clemente, que até pouco tempo atrás visitava instituições e bairros mais carentes distribuindo presentes no Natal.
Fotos:
1) No aniversário de 91 anos, dona Mercedes está rodeada pelos filhos, noras e netos, embora, atualmente, sejam 16 netos, 16 bisnetos e 6 tataranetos.
2) Os padrinhos de casamento Mercedes e Manoel Clemente, à esquerda do casal Hélio Scarassati e Glória Silva.
3) No parabéns dos 80 anos, sempre rodeada por filhos e netos.
4) Mercedes Casal, aos 19 anos.
5) Mercedes, a 2ª a partir da esquerda, com as irmãs Catarina, Elvira e Geni Nalon, fotografadas pelo também amigo Argemiro Baisi.
6) O Papai Noel José Clemente, entre a mãe e tia Alzira, distribuía presentes às crianças carentes junto com outros familiares.
OFICINA DE PERCUSSÃO
Hoje, 8, e amanhã, 9, acontece a 1ª oficina de percussão do Viralatas do Samba, na Casa da Vó Maria, das 14 às 18h. Deu pra tirar a poeira dos tambores e entrar no ritmo, mesmo com a chuva forte que caiu durante esta tarde de sábado. O mestre de bateria do bloco, Luiz Paulo Ferreira, ficou satisfeito com o resultado. Nós, também.
Comentários