dr. sylvio

Gostaria que Dr. Sylvio pudesse ler sua história reescrita por mim. Quando foi publicada, em junho de 2008, na 3ª pessoa, continha muitos erros gramaticais. Nesta edição, corrigi erros e coloquei o texto na 1ª pessoa, uma dica preciosa da dona Maria Abrão que conferiu um novo ritmo aos textos dos entrevistados. Afinal, a busca pela perfeição é nossa luta constante. Ou, pelo menos, deveria ser. Mas a perfeição é um conceito abstrato, não é? Aprender todo dia é um exercício de humildade. Vamos exercitar para não enferrujar.


MINHA HISTÓRIA
Homenagem ao Dr. Sylvio Ribeiro do Valle, homem de gosto apurado e ótima memória, colecionador de objetos e histórias das pessoas com as quais conviveu ou apenas passaram por sua vida. Em junho deste ano, ele completaria 76 anos de vida e 48 anos de Medicina em Guaxupé. Dr. Sylvio faleceu na tarde de 25.04, em São Paulo.



Um médico para ser lembrado

O guaxupeano Sylvio Ribeiro do Valle nasceu em junho de 1935, terceiro filho de Mário Ribeiro do Valle e Mariana Carolina Magalhães do Valle. Irmão de Maria Amélia, José Carlos e Marinho. Desde criança, Sylvio adquiriu o gosto por Literatura e não parou mais, formando uma vasta biblioteca. Apreciador das coisas boas da vida, como viagens, vinho e gastronomia, encontrou na mulher, Selma Perocco, uma grande companheira. Como ele mesmo disse, viveu um vidão. Médico formado pela UFMG, o primeiro parto que realizou em Guaxupé, de gêmeos, aconteceu em junho de 1963. Guardou milhares de fichas de todos que passaram por seu consultório: Sempre dedicou carinho e atenção especial aos seus clientes.

“Meu pai era médico, foi auxiliar do Dr. Mário Gonçalves durante a primeira operação cesariana que aconteceu na Santa Casa local, em 17.01.33. A parturiente era esposa do poeta Uriel Tavares, de Muzambinho, um boêmio que morreu na cadeia pública de Guaxupé, de madrugada, porque passou mal na rua e foi levado para lá. Bigi, taxista, antes de falecer, me deu de presente um maço de poemas escritos pelo próprio punho deste poeta, uma relíquia.
Minha mãe era uma dona de casa muito culta, falava bem o Francês. Papai, além do Francês, falava o idioma Italiano. Sempre admirei o trabalho dele, era um profissional fantástico, tinha um senso clínico para desvendar doenças. Mas a maior herança que meus pais me deixaram foi o amor pela Literatura.
Fiz o primário no Grupo Barão. Por volta dos meus sete anos, fui descansar com meu pai no quarto dele. Na cama, havia um exemplar da revista Tico-tico. Ao folheá-la, descobri que sabia ler, foi interessantíssimo, não parei mais. Noutra ocasião, mamãe me colocou de castigo, neste mesmo quarto, onde descobri o livro Os Doze Trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato. Quando ela disse que poderia sair do castigo, perguntei espantado: ‘Mas eu estava de castigo?’ O grande herói da minha infância foi o criador do sítio do Pica-pau Amarelo.
Outra história sobre o mesmo tema aconteceu na Livraria Avenida, do Artur Ferraz Araújo, lugar que eu visitava com frequência. Por volta dos meus dez anos, um senhor de São Paulo percebeu minha admiração por Lassie, a Força do Coração, e me ofereceu este livro de presente. Fiquei com vergonha, não aceitei. Depois, o dono da livraria contou o acontecido para minha mãe, que comprou um exemplar para mim.
Do Grupo Barão passei para o Colégio São Luiz Gonzaga. Com os irmãos lassalistas tomei gosto pelas línguas, aprendendo diversos idiomas. Só não gostava de Matemática, não tive uma professora boa como dona Selma (rs).
Em Guaxupé, não havia o curso Científico, por este motivo estudei parte do 2º grau em Belo Horizonte. Para escapar dos dois anos de CPOR – Curso de Preparação de Oficiais da Reserva, me mudei para Passos, onde fiz nove meses de Tiro de Guerra e, também, o 3º colegial. Ali, aprendi a gostar de Matemática, com o professor Righetto.
De volta à capital mineira, após um ano de cursinho, passei em dois vestibulares de Medicina: na Universidade de Minas Gerais e na Católica. Preferi a UMG (a partir de 1965, UFMG). No 4º ano começaram os plantões, foi uma fase muito dura. Para aprender, tinha que estudar com afinco. Devido à minha dedicação, fui convidado a ser monitor da clínica médica do Hospital das Clínicas, com direito a salário no fim do mês. Assim, ganhei meu primeiro dinheirinho.


Um milhão de consultas
Naquele tempo, o médico residente morava no hospital, o 9º andar do HC era só nosso. Recebi o diploma em 1962. Em janeiro do ano seguinte, fui trabalhar como médico residente da Santa Casa de Belo Horizonte, onde adquiri experiência em partos. Voltei para Guaxupé em 10 de junho de 1963. Cheguei numa sexta. No domingo, ligaram em casa atrás do meu pai, mas ele não estava e eu o substituí. Fiz parto de gêmeos.
Aos 73 anos, posso dizer que tenho uma memória privilegiada, coleciono diversos objetos que me ajudam a resgatar histórias. No consultório tenho arquivadas 25 mil fichas, de todos meus clientes, desde a 1ª vez. Acho que cheguei a um milhão de consultas.
Faço coleção de canetas, canivetes, relógios, dicionários... Tenho um museu de saca-rolhas do mundo inteiro e outro de rolhas, nem sei dizer qual começou primeiro. Ganhei o acervo de canivetes do Milo Mantovani. Ele me enviou embrulhado num pacote, com um bilhete dizendo: ‘Ficam para você, sua coleção é maior’. Também conservo um monte de discos antigos, daqueles com uma música de cada lado, de 78 rotações.
Outra paixão que cultivo é descobrir livros interessantes em sebos. Meus autores preferidos são os portugueses do século XIX, como Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, e o brasileiro Machado de Assis. Sempre tive curiosidade pelas histórias de Portugal, terra natal dos meus ascendentes que vieram para o Brasil no final do século XVII. Escrevi três livros de genealogia: dos Ribeiro do Valle, dos Magalhães Gomes e dos Perocco.
Cerca de quatro anos atrás, recebi o prêmio Talentos da Maturidade, do Banco Real, com o conto Zé Pedro, inspirado em fatos reais. Gosto muito de escrever. Sempre a lápis, não consigo usar caneta ou computador em meus textos. Tenho várias histórias escritas sobre meus familiares e outros personagens guaxupeanos, mas, por enquanto, não pretendo publicá-las.
Atualmente, mantenho cinco bibliotecas, com oito mil títulos catalogados e outros tantos sem catalogar. Leio tudo que me cai na mão, mas bula de remédio, só quando necessário. Minha máxima é: Quem só sabe de medicina, nem medicina sabe.


Marido apaixonado
Nas férias de julho do primeiro ano de faculdade, mais precisamente em 13.07.57, conheci minha futura esposa numa festa ‘junina’, na Fazenda São João, organizada por mim e meus colegas. Fui recepcionar os estudantes de Guaranésia, nossos convidados. Quando dei a mão para Selma (Perocco) descer do ônibus, meu coração disparou. Já a conhecia de vista, mas foi a Meire Furlan que nos apresentou, naquele dia. Dançamos juntos a noite inteira. Quando a festa acabou, pensei: ‘Esta eu não largo mais’.
Eu morava em BH, Selma em São Paulo. Passamos a nos corresponder por carta. Assim que ela se formou bacharel em Matemática, nos casamos, em janeiro de 1964. Nosso primogênito, Mário Guilherme (Maé), nasceu em novembro do mesmo ano. Cristiane, em fevereiro de 66. Meu pai fez o parto dos dois.
Desde o 1º ano de casado, viajo em janeiro com minha família. Médico precisa viajar para ter sossego. O cliente não entende que a gente também sai de férias. Nossa primeira viagem ao estrangeiro aconteceu em 1975, com destino a Disney. Não paramos mais, conhecemos 37 países. Viajamos sem empresa de turismo ou guia. Vamos sozinhos, mas nos informamos previamente sobre nossos destinos.
Portugal, que já conhecia dos livros, visitamos onze vezes. Na Suíça, alugamos um chalé em Ticino, cantão italiano. Senti vontade de morar lá. Fizemos uma excursão de ônibus por Budapeste. Adorei o Café Hungaria, comprei até um livro sobre ele. Quero voltar à Hungria só para ver o Rio Danúbio.
Não há lugar que eu não tenha gostado, só aqueles para onde não voltarei. Como a Rússia, por exemplo. Precisamos contratar um guia, por causa do idioma. Na época, havia muita miséria por lá, não era como pensávamos.
Atualmente, levo um vidão. Vou ao consultório somente no período da tarde e tenho a jardinagem como hobby. Plantei um limoeiro em um vaso grande e observo diariamente a planta, esperando o limão crescer. Colho rosas para enternecer minha mulher. Se a agenda dela permite, assistimos a um filme juntos, gosto muito de cinema.
Aos domingos, sinto prazer em curtir meus filhos, minha nora, Cristina, e meus netos, Ana Beatriz, Guilherme e Luís Eduardo. Revelo um dos meus segredos de bem-viver. Há 26 anos bebo todas as noites metade de uma garrafa de vinho, saboreando um bom queijo, hora de conversar e relaxar com minha esposa. Não digo que minha paixão são os livros, eles vêm em 2º lugar. Minha maior paixão é a Selma.”

Outra máxima que cai bem ao nosso querido doutor, neste momento de despedida: Mais vale qualidade do que quantidade. Dr. Sylvio soube viver, muito bem, seus setenta e cinco anos de história. Religioso, costumava rezar um terço, junto com a esposa, no final das tardes, antes de degustarem um vinho. Certamente, neste momento, está aconchegado num cantão especial do céu. Valeu, Dr. Sylvio!

Fotos:
1) A partir da esquerda, o cunhado Renato e a irmã, Maria Amélia, o irmão, Marinho, os pais, Mariana e Mário segurando o neto Renatinho, o irmão, José Carlos, e Sylvio.
2) Na formatura da UMG, em 1962.
3) Com a esposa Selma, sua maior paixão.
4) Sylvio e Selma entre os filhos, nora e netos.


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