a rainha da torcida

Fátima Cury Nasser nasceu em 25.11.1934, em Guaxupé, filha do casal de imigrantes sírio-libaneses, Lidia Sabbag e Elias Cury. Irmã de Lorice, Kaled (já falecido), José e Nádia. Há quarenta anos, Fátima vive em Mococa, para onde se mudou para acompanhar o marido e acabou construindo uma nova vida. Mas ela nunca cortou os laços com os familiares e amigos, nem com a terra natal, que visita constantemente. Fátima foi a primeira rainha da Festa das Orquídeas de Guaxupé, em 1953, com direito a discurso escrito pelo vereador Tufi Silva, em que agradece aos “queridos vassalos” por ter sido eleita. Começou a torcer pelo São Paulo Futebol Clube junto com os irmãos, depois, com o marido, com os filhos e, agora, com os netos. Assistir aos jogos no Morumbi é sempre uma grande aventura para ela.

“Nasci na casa dos meus pais, na rua da cadeia. Eu era nenezinha quando minha família se mudou para São Paulo, de onde guardo poucas recordações. Voltei a Guaxupé com quase cinco anos. Fiz a viagem de trem com minha avó paterna, Futina, que estava em São Paulo para ajudar mamãe no parto da minha irmã caçula.
O trem fazia baldeação em Campinas, a viagem durava quase um dia. Ajudei vovó a se comunicar, pois ela não falava uma palavra em português. Eu não sabia falar o árabe, mas entendia tudo.
Fiquei morando na casa dos meus avôs paternos, onde também moravam as tias Fádua e Angelina. Eu gostava demais deles, faziam todas as minhas vontades. A casa tinha um pomar maravilhoso, com jabuticaba, laranja, caqui, caju, mexerica, amora, pêssego... Eu subia no pé para apanhar laranja-lima.
No quintal, havia galinha, carneiro e cabrito. Cuidei de um cabritinho, que levava para pastar num terreno perto de casa. O bichinho era carinhoso como um cachorro, peguei muito amor nele. Ele era terrível, certa vez, fugiu, entrou na casa e comeu todas as fitas de tecido que tia Fádua havia passado ponto ajour para uma freguesa. No dia em que mataram o cabritinho, não me sentei à mesa, chorei demais.
Quando minha família voltou de São Paulo, ficamos todos juntos na casa dos avôs, até papai alugar uma casa na Avenida Conde Ribeiro do Valle.
Aos seis anos, eu e minha amiga inseparável, Huguete Zaiat, fomos estudar no Grupo Barão de Guaxupé. Fizemos o primeiro ano como ouvintes, com a professora Nilva Pinto. Depois, Huguete passou para o 2º, mas eu repeti o ano, mesmo tendo boas notas. A professora falou para mamãe que eu não poderia começar o ginasial antes dos onze anos, que daquela forma seria melhor para mim. Não gostei, mas tive que aceitar.
Fui apaixonada por dona Lila Lepiane, professora do 2º ano. No 3º e 4º anos, estudei com dona Luizinha Calicchio. Com o aumento do número de alunos, nossa sala foi transferida para um cômodo nos fundos da escola, situada onde, depois, foi o Hotel Central.
Aparecida Além foi minha colega de classe. A gente trocava de lanche, eu dava a ela meu pão com chancliche e ficava com o pão e mortadela dela. A gente não se sentava em carteiras, mas em mesas para seis alunos. José Ricciardi, Mariberto Remédio, Fábio Monteiro, Mariza Ferraz, Diva Ribeiro e eu dividimos a mesma mesa.

Juventude simples
Depois do primário, entrei na Academia de Comércio São José, onde fiz quatro anos de propedêutico, equivalente ao ginasial, e mais três anos de Técnico em Contabilidade, no 2º grau. Gostava demais do seo Gonela, diretor. Ele era velhinho, quando cochilava, a gente mexia com ele e saía correndo.
Padre José Elias, meu avô, faleceu em outubro de 1952, dois meses antes da minha formatura. Por causa do luto, não pude participar das festividades, fiquei muito triste. Adhemar de Barros, na época governador de São Paulo, foi o paraninfo da minha turma. O baile aconteceu no salão do Faria, pois o clube Guaxupé estava em reforma. Minhas colegas, Teresa Pasqua e Huguete, me contaram que tudo foi muito chique e movimentado, principalmente, por causa da política.
Nos anos de academia, as aulas começavam às sete da noite. A gente saía mais cedo de casa para dar volta na avenida em frente ao Cine São Carlos, onde tinha um serviço de alto-falante. Meu irmão Kaled e Nabih, irmão da Huguete, eram os locutores.
Da academia a gente escutava as músicas, ficávamos doidas para descer. Queríamos dar voltas na avenida e paquerar os moços que vinham de outras cidades. Os moços daqui não gostavam, mas bem que ficavam assanhados quando viam as moças de fora.
Eu não perdia cinema nos finais de semana. Huguete e eu tínhamos passe livre, por causa dos nossos irmãos. Durante a semana, matei aulas várias vezes para ver filmes. Após a sessão de domingo, começavam as brincadeiras dançantes da Associação Atlética, animadas pela Orquestra Marabá, formada por músicos guaxupeanos.
Para eu poder dançar na associação, tinha que levar minha irmã caçula, Nádia, na época com treze anos. Inicialmente, ela detestava, dormia nas cadeiras; com os anos, passou a gostar. Ela, Munira Zaiat e Leda Elias, junto comigo e minhas amigas Huguete e Sonia Elias, costumávamos ir à associação escondido dos nossos pais, depois do cinema, mas voltávamos para casa até 22h30.
Uma noite, perdemos a hora porque estava muito bom. Eu estava dançando, toda feliz, com um viajante da Gessy Lever, com quem flertava. Era quase meia-noite quando olhei e vi meu pai na porta, fazendo sinal para eu ir embora. As outras se esconderam no banheiro.
Ele nos levou para casa, de cara feia, andando na nossa frente, sem dizer nada. Na esquina da Rua Aparecida, dona Angelina Zaiat, muito brava, esperava as filhas, Huguete e Munira. Na esquina de casa, foi a vez da dona Hermínia, mãe da Sonia e Leda, se zangar com elas. Ao chegar em casa, Nádia e eu entramos depressa em nosso quarto, para não apanhar.
Minha juventude foi muito boa, uma vida simples, mas muito gostosa. De dia, ajudava nos serviços de casa e fazia as lições. À noite, ia pra Academia. Depois de formada, não pude trabalhar fora porque meu pai achava que não ficava bem mulher trabalhar no comércio junto com os homens.
Eu costurava minhas roupas e as da Nádia. Ganhava as roupas da tia Angelina e as transformava em novos modelos, que ficavam uma luva em mim. Fiz aula de corte e costura com um senhor chamado Edu Cunha, junto com várias primas.

Rainha das Orquídeas
A 1ª Exposição de Orquídeas aconteceu em 1952, na vitrine do tio Jacob Miguel Sabbag. No ano seguinte, foi realizado o primeiro baile e eleição da rainha das orquídeas, no armazém do J. Marcílio, situado no final da Rua Capitão Joaquim Norberto, que era sem saída (ainda não havia a Praça 1º de Junho).
Paralelamente, a Rádio Clube e Piscina (Country Club) promoveram uma semana de festa, com uma atração diferente a cada dia. Uma delas foi um casamento caipira. Os noivos, Sálvio Campos e Luzia Faria, junto com os padrinhos e eu, uma das madrinhas, fomos levados de carroça, da rádio, onde hoje é o Rotary, até o armazém.
No segundo fim de semana, de sexta a domingo, foi inaugurada a exposição de orquídeas, no salão do Olavo Barbosa, onde, posteriormente, foi a Brasília Modas. Depois que a exposição fechava, aconteciam os bailes, também, no J. Marcílio.
A eleição da rainha foi no sábado. Após anunciar que eu era a vencedora, o presidente dos orquidófilos do Brasil dançou a valsa comigo. Quase morri de vergonha, pois ele dava uns pulinhos durante a dança e eu não conseguia acompanhá-lo.
O baile da coroação aconteceu somente no sábado seguinte. Vários casais dançaram a valsa junto comigo e meu par, João Carlos Farah (João Ratão). Ele, Wadi Sabbag e Jamil Nasser trabalharam pela minha vitória. Os votos eram vendidos, vencia aquela que acumulasse mais dinheiro.
Havia duas candidatas à rainha, Neusa Rodrigues, pelo Núcleo dos Orquidófilos de Guaxupé, e eu, convidada pela Rádio Clube e Piscina. Em 1954, levei na bolsa a faixa de rainha para passar à minha sucessora, Regina Costa Monteiro, eleita no baile que aconteceu no novo prédio do Clube Guaxupé, mas não fui lembrada.

Os tais que não usam Lifebuoy
No final de 1954, comecei a namorar Pedro Nasser. Já o conhecia de vista, desde a época em que, a caminho do açougue do Benedito Passos, no Taboão, eu passava em frente à casa dele, na Rua João Pessoa, 43 (atualmente, Casa da Vó Maria), e o via na janela.
Poucas pessoas tinham carro. A gente costumava dizer de quem era diferente: ‘Eles são os tais que não usam Lifebuoy’, frase de um comercial de sabonete. Nem sei explicar por que a gente falava assim (risos).
Pedro tinha um ‘pejozinho’ amarelo (Peugeot). Ele gostava de fazer gracinha pras moças dirigindo seu carro em alta velocidade, subindo e descendo a Rua Aparecida, levantando poeira. Dona Angelina, uma das moradoras da rua, ficava brava, porque enchia a casa dela de pó.
Um dia, estava na janela de casa, na esquina da Praça do Rosário, quando ele passou e, ao olhar para trás, subiu em cima da calçada na hora de fazer a curva. Eu comecei a rir. Minha vizinha, dona Clotilde Xavier, disse que daquele jeito ele acabaria furando a rua, de tanto passar em frente nossa casa.
Em 1956, nos casamos. Em dezembro do ano seguinte nasceu nosso primogênito, Eduardo. Em 59, Sonia Mara, e a caçula, Jacqueline, em 64. Eu ficava em casa, cuidando dos nossos filhos.
Tínhamos um apartamento em Santos, para onde viajava com a família, mamãe, irmãs, cunhado, filhos e sobrinhos, na nossa perua Chevrolet. As crianças iam amontoadas sobre os mantimentos, colchões e bacias. Na época, não havia nada por lá, levávamos tudo daqui.
Sempre fui muito unida com meus irmãos. Tinha uma afinidade especial com Kaled, nós dois gostávamos das mesmas músicas. Ele comprava discos do Ray Charles para ouvir comigo, em casa. Como ele não tinha vitrola, me dava os discos de presente.


Enfim, comerciante
Meu marido trabalhava na Viação Nasser, que era do pai dele. Estava casada havia dez anos, quando meu sogro precisou, por motivos financeiros, vender a empresa. Pedro continuou com um cargo em Mococa. Inicialmente, ia e voltava todos os dias. Depois, passou a vir para Guaxupé, uma vez por semana.
Nessa época, comecei a fazer produtos de crochê com fios de plástico para vender, como travessinhas, lenços, vestidinhos para crianças e cintos. Minhas tias me ajudavam a arrumar freguesas. Aprendi a ganhar meu dinheiro. Até pouco tempo atrás, guardei um caderninho onde anotava tudo que vendia.
Em janeiro de 1971, fomos morar em Mococa. As crianças tiveram muita dificuldade de adaptação. Vínhamos para Guaxupé todo final de semana e nas férias. Eles eram muito agarrados aos avôs, tios e primos.
Achei melhor, em vez de fazer, revender produtos. Vendi muito chinelo de pele da fábrica da Nilza carneiro, de Guaxupé. Toalhas e crochês da dona Zica, de Muzambinho, e da dona Wanda, de Guaranésia. Há 32 anos comecei a vender Natura e não parei mais. Até hoje conservo minhas freguesas.
Quando meu marido faleceu, em julho de 83, meu pai quis que eu voltasse para Guaxupé. Achei melhor continuar em Mococa, onde havia feito minha freguesia e criado meus filhos. Mas estou sempre, aqui, visitando a família.
Meu filho mora em Mococa, e as duas filhas, em São Paulo, todos casados e com filhos. Viajo muito à capital paulista. Sou torcedora fanática do São Paulo Futebol Clube. Assisti, no Morumbi, a um jogo da Libertadores e três finais de campeonato. Em três ocasiões, trouxe faixas da vitória para os são-paulinos da família.”
Na sua última viagem a São Paulo, Fátima visitou a Rua Neto de Araújo, na Vila Mariana. Ficou emocionada ao rever a casa onde morou com os pais, quando pequena. Muito emotiva, suas maiores paixões são os filhos e os quatro netos: Wilson, Thaís, Aline e Mariana. Além de teatro e cinema, não costuma perder uma boa novela.

Fotos:
1) A pequena Fátima, em meados da década de 30.
2) Casamento com Pedro Nasser, na Igreja Ortodoxa, em 30.09.56.
3) Os são-paulinos Henri Castelli e Fátima, no Morumbi, em 2009.
4) Com os filhos, Sonia Mara, Jacqueline e Eduardo.
5) Entre os netos Aline, Wilson, Thaís e a pequena Mariana.


Apoio cultural:

Comentários

henryvitor disse…
uma historinha de uma pessoa bonita.
bisteca disse…
ainda escreverei a sua, dileto artista.
MiDu disse…
Amei sua história Fátima!

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