advogada das causas sociais

Luzia de Faria Santos nasceu em 13.12.34, a quinta dos dez filhos de José Batista Faria e Vicentina Gallati Faria: Alfredo, Therezinha, Maria de Lourdes, Clemente, Zélia, Wilma, Neuza, José Roberto e Mozart. O maior gosto desta guaxupeana articulada é lutar por causas sociais, particulares e alheias. Se tivesse estudado Direito, certamente seria uma advogada de sucesso.


“Papai tinha uma marcenaria na Rua Major Anacleto, a Casa de Móveis Faria, junto com nossa casa. Ele ia às fazendas, cortava e cubicava as madeiras. Todos os fazendeiros da cidade têm móveis feitos por ele. Aos domingos, eu brincava de casinha na marcenaria, com minha única amiga da vizinhança, Odete Campos. Fazíamos casinhas e bichinhos com toquinhos de madeira; com a serragem, os caminhos e as montanhas.
Brincávamos com os peões e bilboquês de madeira que papai fazia para nós. Nosso presente de Natal eram mobílias em miniatura, pintadas e envernizadas por ele. Da porta de casa víamos o gado sendo levado para o matadouro pela nossa rua. Quando algum animal empacava, o boiadeiro amarrava o rabo dele até quebrar. O bicho se levantava, gritando de dor, uma tristeza.
A gente gostava de andar pelo córrego raso que começava nas minas da região da rodoviária antiga e percorria a Rua Dr. João Carlos até a esquina de casa. Para chegar à escola, pulava de uma margem a outra do córrego, perto da mina da Rosa, a mais famosa, onde as lavadeiras lavavam as roupas dos fregueses. No cruzamento com a Major Anacleto, desembocava outro córrego mais fundo, vindo da Rua do Buracão, que aumentava o volume de água. Em frente à oficina mecânica do Antônio Gabriel havia uma ponte.
Entrei aos seis anos no Grupo Delfim Moreira. Minha professora durante os quatro anos do primário foi Dona Aparecida, uma negra muito elegante e bonita, de Santos. Dividia a carteira com Maria Estela Bonadio. Antes de entrar na escola, a gente costumava comprar guloseimas numa casa em frente ou na venda mais próxima. A ‘nega do grupo’ fazia canjicada e arroz-doce na cantina.
Estudei um ano como ouvinte do Colégio Imaculada Conceição, pois não podia fazer o ginasial antes dos onze anos. Quando comecei pra valer foi uma beleza, já conhecia o conteúdo. Tive dificuldade de adaptação, no início, porque cada matéria era dada por uma professora diferente, e a relação delas com as alunas era mais formal, bem diferente do grupo.
Todas as professoras eram freiras, menos dona Aparecida Remédio, de Educação Física, e, no 4º ano, seo Miguel Bonfleur, professor de Português. Nas aulas de ginástica não se usava roupas esportivas, mas uma saia preta enorme, toda pregueada, horrível, até os joelhos. Devido a esta limitação, nosso esporte era jogar queimada e fazer caminhadas com alongamento no pátio.
Aos domingos, assistíamos às missas na capela, uniformizadas. Se faltasse, teria castigo na segunda. Às vezes, aconteciam terços e novenas às tardes. Nunca faltei, pois papai era conhecido das freiras, confeccionava os móveis do internato.
Independente da escola, às seis da manhã, ainda escuro, ia com minha irmã Lourdes para a piscina, fazer aulas de natação. Pelo caminho, encontrávamos Leonardo Sandroni e outros, que aumentavam nosso grupo. Nessa época, acompanhava Lourdes aos bailes do Clube Guaxupé, senão papai não permitia que ela fosse. Eu não dançava, ficava no banheiro o tempo todo, cochilando. Não gostava de jeito nenhum.
Responsabilidade aos 15 anos
Recebi o diploma ginasial em 49. Além da fábrica de móveis, papai abriu um ponto comercial, construindo um prédio: no térreo ficava a loja e no andar de cima, nossa casa. Com o casamento da Lourdes, que trabalhava na loja, precisei assumir o lugar dela. Aos quinze anos, fiquei responsável pelas compras e vendas. Também ajudava mamãe a olhar os irmãos menores.
Passei a estudar na Academia de Comércio São José. Saía do trabalho, tomava banho e subia pra escola. De manhã, às 6h, antes do trabalho, fazia aulas de basquete na Esportiva. Na quadra não havia iluminação e aquele horário ainda era escuro.
Na Academia, as classes eram mistas, e o ambiente mais adulto que no Colégio. Doutor Arthur Leão e Nege Além foram professores excelentes. Seo Vinícius Eclissato animava os alunos para as festas, que duravam uma semana. Cada sala bolava uma diferente. Era obrigatório desfilar no Sete de Setembro e no aniversário da cidade. Eu carregava a bandeira. Em 52, recebi o diploma do 2º grau.
Nessa idade, já frequentava os bailes da Associação Atlética, no andar superior do cinema antigo. Às 22h, tinha que ir embora. Nesse horário, um guarda passava apitando em frente nossa casa, o bandido. Se chegasse depois, tinha castigo.
Durante o dia, participava de um time feminino de basquete. Nosso time jogava todo domingo, antes dos jogos de futebol no estádio municipal, e, também, em Muzambinho. No campo do adversário, se estávamos ganhando, os torcedores jogavam areia na quadra pra gente cair. Irma Salomão era desse time, ela roubava a bola e não deixava ninguém chegar perto.
Casamento, Maternidade e Trabalho
Em 54, conheci Sálvio dos Santos Campos, meu futuro marido. Ele morava numa república perto de casa e eu ficava na janela olhando ele passar. À noite, nos víamos no footing, na avenida. Até que um dia ele puxou conversa e começamos a namorar. Casamos em 58.
Sálvio trabalhava na loja de autopeças do seo Jamil Nasser. Depois do casamento, papai, que já estava adoentado, convidou ele e o marido da Lourdes, Nelson, para trabalhar na Casa de Móveis Faria. Os dois fizeram uma sociedade, ficamos os quatro juntos. Como minha irmã e eu tínhamos afazeres domésticos, a gente revezava na loja. Logo nos primeiros anos de casada nasceram nossos três filhos: Sálvio Jr., em 60, Silvio, em 61, e Sérgio, em 64.
Em 68, fui convidada pelas freiras para lecionar Educação Física no Colégio. Consegui mudar o uniforme, que passou a ser uma bermuda larga, até o joelho. Dava aulas de handball, basquete, vôlei e uma aula com música, chamada ‘feminina moderna’, não sei qual o nome atual. As alunas adoraram as mudanças. Em algumas tardes de domingo, realizávamos jogos entre as classes.
Tinha muito contato com as alunas. Daí surgiu a ideia de montarmos uma fanfarra feminina do colégio, se não me engano, a primeira da região. Com a permissão das freiras, realizamos uma quermesse para angariar fundos e comprar os instrumentos. As balizas, com shortinhos curtos, iam na frente da fanfarra, uma revolução. Lembro-me da Maria Fernanda Coelho, uma gracinha de baliza. Eu criava as coreografias que eram apresentadas em frente ao coreto, onde ficavam as autoridades.
Dei aulas de Ensino Religioso e de Educação Física, no Colégio Estadual, junto com a professora Heloísa Helena. Com a chegada da Dalia, professora graduada em EF, precisei parar, pois não tinha formação superior, apenas cursos de especialização em BH. Fiquei somente com as aulas de religião.
Ainda, dei aulas particulares de ginástica para um grupo de mulheres, em Muzambinho, durante três anos. Organizava meus horários direitinho, aproveitando o tempo em que as crianças estavam na escola. Isto só era possível porque tinha uma auxiliar, Ana, que me ajudava em casa. Ela foi minha salvação, era como uma filha para nós, chegou aos nove anos e ficou até se casar.
Fé em Deus
Meu marido e eu participávamos de encontros de jovens da igreja católica, no antigo conventinho, atual seminário. Nós coordenávamos a cozinha. Cerca de oitenta pessoas passavam o final de semana assistindo a palestras e fazendo trabalhos religiosos.
Também fui palestrante dos cursilhos de cristandade, viajei a várias cidades da Diocese. Num desses encontros, trabalhei com o deputado Carlos Melles e sua esposa, Marilda, e ficamos amigos, há mais de vinte anos.
Assim que nos casamos, soubemos pelo Dr. Geraldão (Souza Ribeiro) que Sálvio tinha problemas renais. Ele fez tratamento em Campinas, durante anos. Eu o acompanhava nessas viagens. Em meados de 70, fez um transplante de rim doado pela irmã dele, Dora. Os médicos disseram que Sálvio viveria cerca de cinco anos após a cirurgia, mas veio a falecer em 1999, tornando-se referência.
Nessa fase, parei com tudo. Ficamos três meses em São Paulo, onde ele foi operado. Ao retornar, comecei a dar aulas de Ensino Religioso e Técnicas Comerciais, no Polivalente. Continuei na loja até 2002, depois não deu mais, aposentei-me. Mas não consegui ficar à toa. Auxiliei Cida e Yara, na Artemania, por três anos.
Com a morte do meu marido, passei a frequentar o Clube Colmeia, da Melhor Idade, do qual já fui presidente. Aprendi que a vida não é só trabalho e se vive bem em qualquer idade. Antes, vivia em função dos outros, hoje em dia tenho meu espaço, faço aulas de coral e de dança.
Sempre quis estudar Direito, mas não deu. Procuro ajudar quem precisa nas questões burocráticas. Muita gente me pede ajuda, defendo causas sociais. Minha luta atual é trazer o convênio do Hospital Vera Cruz para a Santa Casa de Guaxupé, que vai facilitar minha vida e a de muitos conveniados idosos que residem aqui.”



Luzia integrou o grupo que lutou pela implantação do Centro de Hemodiálise local, batizado com o nome do seu marido. Irrequieta e perspicaz, mantém o astral em alta, mesmo nas adversidades. Após o casamento, participava com o marido do carnaval de Os Bicancas. Atualmente, é assídua dos bailes de carnaval da Melhor Idade, cada vez com uma fantasia diferente. Luzia tem cinco netos.










Fotos:
1) A família, em 70: Sérgio, Sálvio, Silvio, Luzia, Sálvio e Rex, o cão de estimação.
2) No desfile da Academia, Luzia está à direita da colega com a bandeira; à direita, o professor Vinícius Eclissato.
3) Entre os filhos Sérgio e Silvio, nos Bicancas, em 79. O marido e o primogênito estavam na bateria, tocando pandeiro.
4) Luzia no aniversário da amiga Vasti, no Clube Colmeia.
5) Em 2005, no baile da Melhor Idade, no Clube Operário.


Comentários

Anônimo disse…
Olá Sheila,

Sem querrer encontrei o blog na net, e adorei!!
Tá super lindo, parabéns!
Um beijo

Anelise
Anônimo disse…
Anelise anônima!!

que legal encontrar você por aqui. volte sempre!

obrigada pela força.

bjs

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