de volta ao passado
A guaxupeana Magda Tereza Francischetti nasceu em 25.07.45, segunda filha de Thereza Miqueri Francischetti e Vicente Francischetti. Irmã de Edna e dos gêmeos João Carlos e Carlos Vicente. Como ela mesma diz, sua casa na Rua Aparecida, antes ponto de encontro da família, atualmente, é ponto de resistência numa região de muitos comércios. Dentro do possível, Magda conserva diversos aspectos da construção original. O mobiliário antigo confere um charme especial à decoração da casa para onde Magda retornou há doze anos, depois de viver 29 anos em Brasília. E a mudança foi radical, de garota “dos cocos”, falante e extrovertida, com a maturidade, tornou-se mais reservada, paciente e tolerante. Adotou a quietude por opção.
“Nasci na rua da cadeia, na casa onde depois foi a bicicletaria do seo Geraldo Anchieta. Meus irmãos e eu nascemos pelas mãos da Piedade, uma parteira que morava depois da ponte do Taboão. Quando nasci, papai tinha uma barbearia no prédio do Vicente Casagrande, na avenida. No final de 1947, nos mudamos para a Rua Aparecida e a barbearia passou a funcionar num cômodo na frente de casa.
Minha mãe era costureira, desde seus treze anos. Ela usava duas chapeleiras com espelhos nas provas de roupas das freguesas. Até hoje, conservo uma delas comigo, Edna ficou com a outra. Meu pai herdou estas chapeleiras do pai dele, anteriormente, ambas ficavam na barbearia.
Papai era uma pessoa jovial e alegre. Quando solteiro, ele cantava nos encontros beneficentes da Sociedade Italiana, situada onde hoje é o Rotary. Ele foi muito companheiro dos filhos. Sempre fez questão de nos acompanhar aos bailes. Dançava a primeira e, muitas vezes, a última valsa comigo e com minha irmã.
Minha infância se resumia às brincadeiras no quintal, na rua, na Praça do Rosário ou debaixo dos pés de ipês. Em nossa rua havia muitas crianças. A gente costumava brincar de bandido e mocinho no barracão do Toninho Borges. No quintal, havia, também, jabuticabeiras, uma vez, caí de uma delas e fui carregada para casa. Eu era muito danada, estava sempre me machucando, mamãe vivia assustada comigo.
Por volta dos meus oito anos, calçaram nossa rua de terra com paralelepípedos. Seo Aníbal, prefeito, estava sempre acompanhando e fiscalizando a obra. Enquanto calçavam o trecho em frente determinada casa, o morador ficava responsável pelo lanche dos trabalhadores.
Aquilo era uma grande novidade pra criançada. Depois da escola, meus amigos e eu nos reuníamos para tapar o espaço onde, posteriormente, seria feito o meio-fio, com pedrinhas, que martelávamos com cuidado. Mesmo sendo brincadeira, era nosso jeito de participar. Um dia, ao atravessar uma tábua de madeira, caí no buraco onde seriam colocadas as manilhas, tirando um bife do pé.
Nossas brincadeiras habituais eram amarelinha, bola na parede, batatinha-frita, pular corda. Na casa dos Zaiat, as meninas - Leda, Sonia, Nesmar e Diana - faziam circo e chamavam as outras crianças para assistir. Como nossa turma era imensa, tivemos diversas casas para brincar.
Os amigos também se reuniam nas portas das lojas da Rua Aparecida. Só na minha casa havia duas portas comerciais, uma da barbearia, outra da Casa Trevo, mais conhecida por loja da Thereza, onde mamãe vendia armarinhos e outras miudezas.
Todo mundo gostava de tomar café sírio, sem coar, na loja do seo Habib, em frente à nossa casa, onde minha mãe comprou meu 2º sutiã, com espartilho e de cetim rosa. Naquele tempo as moças não experimentavam roupas íntimas nas lojas, mas nas suas próprias casas.
Um mundo bom
Com seis anos fiz o pré-escolar no Colégio Imaculada Conceição. Tia Bebé (Shirley) me levava, mas ela precisava ir embora pé ante pé, sem que eu percebesse. Eu era brava, não queria ficar no colégio de jeito nenhum.
Comecei o primário em 1953, no Grupo Barão de Guaxupé, que ocupava o mesmo prédio do Delfim Moreira. Fui aluna da dona Nilva Pinto, Ruth Lessa e Lila Lepiane. No primário comecei a gostar de estudar, a escola passou a ser um mundo bom.
No 3º ano, participei de um teatro da Branca de Neve, fui o esquilo. Minha mãe fez um belo rabo de tricô para mim. Lembro o cheiro do cipreste do cenário da peça, atrás do qual ficava o esquilo.
Adorava brincar no pátio da escola, onde participei de um bailado, como uma florista que dançava e cantava com uma cesta de flores, pra lá e pra cá. No pátio também aconteciam quadrilhas juninas, que eu adorava.
Em 1957, voltei para o colégio das freiras, onde concluí o ginasial e, em seguida, o curso normal. Uma vez, minha turma de normalistas teve um desentendimento sério com as freiras, todas as alunas entregaram as provas em branco. Combinamos que faríamos isso caso determinado conteúdo entrasse na prova. Minha mãe ficou bastante chateada com a situação, porque teve que comparecer ao colégio. Ela achava que eu deveria seguir as regras.
Dona Maria Luíza Magalhães foi nossa professora de ginástica e esportes. Eu era muito indisciplinada, gostava de fazer jogadas individuais no basquete. Gostava dos jogos de queimada e de saltos à distância. Não gostava das aulas de ginástica. Por volta dos treze anos, cheguei a ficar afastada dessas aulas por seis meses, sentia dor na hora das abdominais, não podia fazer esforço devido a uma ruptura de nascença no umbigo.
Os quitutes do Francischetti
As sessões do Cine São Carlos eram um encontro social, a gente se arrumava para ir ao cinema. Depois dos filmes, na praça do coreto, as moças davam voltas em um sentido e os rapazes em outro, para facilitar os flertes.
Meus tios Angelim e Antônia Francischetti tinham um boteco na esquina da nossa rua, onde depois foi o famoso Francischetti Lanches, dos primos Walter e Hélio. Eu era encantada com o pudim de farinha de trigo que eles faziam e colocavam na vitrine, cada pedaço separado do outro com papel manteiga.
Guardo a imagem nítida do tio Angelim furando figos para fazer doces. Também era louca pelas balas, Chita, Toffe, Déa... Por este motivo, ganhei do Walter um dos seus baleiros e, de quebra, o luminoso que ficava dentro do bar. Também me deu a receita do bolo com cobertura de doce de leite com coco que vendiam quando eu era pequena.
Uma vez, tia Antônia fez um caldeirão de coxinhas congeladas para eu levar para Brasília. Em 1999, quando retornei a Guaxupé, ia muito ao Francischetti. Difícil era comer um salgadinho só, Hélio sempre insistia pra eu comer mais um.
Quando meus tios fecharam o boteco, abriram uma sorveteria, na porta de cima, onde vendiam sorvetes mais sofisticados, como sundae e banana split. Minha paixão eram os picolés de salada de fruta. Tinha mais ou menos quinze anos, ficava escondida com o namorado, na esquina. Cida Miqueri, minha prima, assobiava quando meu pai abria o portão de casa, e eu corria para a sorveteria fingindo estar lá.
Uma trabuzana na roça
Em 1964, com o diploma de normalista, passei no concurso estadual para professor. Fui chamada para lecionar na Escola Cardosos, uma sala de 1ª à 3ª série, situada na fazenda do seo Otávio Barbosa, um grande amigo da escola. Ele me dava carona, ensinava os alunos a plantar café. Uma vez, durante a hora cívica, não havia bandeira do Brasil para ser hasteada. Seo Otávio chegou atrasado, mas a tempo, com uma bandeira confeccionada por minha mãe.
Eu ficava hospedada na casa da dona Josina, caseira da fazenda. Vinha para Guaxupé todo final de semana. Para ir e voltar, pegava carona com seo Otávio, com o caminhão de leite do seo Alabarce. Às vezes, com seo Luís Borges que levava as professoras até São Pedro da União. Ele me deixava na encruzilhada, onde um aluno, José Luís Vilas Boas, me esperava e me acompanhava, a pé, pelo resto do caminho.
Aprendi muito com essa experiência. Ensinei as crianças que não tinham recursos para comprar lápis de cor, a pintar com flores e folhas coloridas, que esmagadas soltavam cor. Eu apanhava para decifrar certas palavras que os alunos escreviam nas redações. Pedia para dona Josina me ajudar. Uma vez um escreveu ‘invinha uma tribuzana de chuva’. Demorei a descobrir que trabuzana era o mesmo que temporal. Meus alunos fizeram um levantamento com seus pais sobre o vocabulário próprio do lugar. Fomos corrigindo hábitos errados, como trocar guarita por gurita.
Em 1966, comecei a estudar Matemática, na Fafig, mas logo mudei para Pedagogia. Em 1967, fui transferida para o Parque Infantil, com ajuda do seo Romis Nicolau, que era muito ligado a José Maria Alckmin, do governo de Minas.
Estudei por quase nove anos piano com dona Edméa Zerbini. Em 69, fiz preparação para o conservatório com professores do Carlos Gomes, em São Paulo. Nessa época, cheguei a estudar piano dez horas por dia. Mas acabei não dando continuidade, pois me mudei para Brasília após minha formatura na faculdade, em janeiro de 1970.
Carreira educacional em Brasília
Conheci Brasília em 1963, com tia Bebé, Edna e mamãe, numa visita a tio Napoleão, um pioneiro na capital brasileira. Em 1968, Edna se casou e se mudou para lá. Minha monografia para conclusão de curso foi sobre Tropicalismo, dentro da cadeira de Cultura Brasileira, do professor Elias José.
Minha irmã, que dava aulas na escola experimental de 2º grau da UnB, me indicou algumas pessoas do departamento de música para me auxiliarem na pesquisa da monografia. Este contato com a parte acadêmica e cultural do distrito federal favoreceu minha mudança.
Quando cheguei a Brasília, passei no vestibular para o Instituto Básico de Artes da UnB. Fiz dois anos de Música e três anos e meio de Arquitetura. Estudava de manhã, trabalhava à tarde e à noite. Não cheguei a concluir o curso, pois fiquei esgotada com o ritmo puxado.
Simultaneamente, fui aprovada em dois concursos, um para lecionar em escola particular, outro, em escola pública. Passei nos dois. Comecei a trabalhar na particular, na 1ª série do primário, mas logo fui chamada para dar aulas pela Fundação Educacional numa escola em Taguatinga, depois, como assistente de direção em Gama, cidades-satélites de Brasília.
Em seguida, fui chamada para a administração central, onde passei a fazer serviços técnicos. Em 1972, passei no concurso para inspetor de ensino da Secretaria de Educação, o único específico dessa área realizado em Brasília até hoje.
Em 1975, meus pais e os gêmeos se mudaram para Brasília. Desde 1972, eles me visitavam com frequência. Ficamos morando todos juntos. Em 1978, meu pai faleceu e, mamãe, dez anos depois.
O trabalho foi um eixo fundamental na minha vida. Mas nunca deixei de lado as atividades culturais. Na universidade sempre aconteciam eventos artísticos, como concertos e shows. Eu não perdia nada. Teve uma época em que a vida cultural de Brasília foi muito pobre, somente em meados da década de oitenta começou a melhorar.
A partir de 1979, comecei a viajar mais. Em todas as férias eu ia para alguma praia do Nordeste, Espírito Santo ou Rio para relaxar e paquerar.
Em 1986, com um grupo de técnicos em Educação, tanto do DF quanto do MEC, fundamos uma associação para lutar pelos interesses da nossa categoria. Fizemos várias sugestões para a Constituição de 1988. Uma das aprovadas foi a licença maternidade para mães adotivas.
Temporariamente sozinha
Em 1994, logo após minha aposentadoria, comecei a participar de um grupo de Psicanálise, indicado por um colega de trabalho que, também, foi meu namorado e companheiro durante sete anos.
Em 1999, já estava apta a clinicar, mas decidi voltar para Guaxupé. Havia iniciado uma reforma na antiga casa dos meus pais, na Rua Aparecida, e quis acompanhar, pessoalmente, meu projeto de restauração. Também queria estar mais perto da tia Bebé, que andava sentindo-se muito sozinha e com a saúde abalada.
Colaborei com a Casa da Cultura na execução do 1º Aconteceu em Guaxupé, Reviva!, em 2009, e no planejamento institucional da gestão 2010/2012. Planejo voltar para Brasília, que não visito há mais de um ano. Sempre fui muito participante da vida dos meus sobrinhos. Mesmo à distância, mantemos contato constante.
Antes, eu lia seis horas por dia, atualmente, nem duas. Todo dia caminho com minha tia. Nos finais de semana tenho mais tempo livre. Assisto a concertos de música pela TV, escuto meus discos. Digo que estou temporariamente sozinha.”
Há três anos, toda semana, Magda participa de leituras do Evangelho com um grupo espírita. Segundo ela, mais que religioso, é um exercício cristão. Como pessoa interessada na Psicanálise, ela não pode se fechar a uma única visão.
Fotos:
1) A pequena Magda no dia do batismo, no colo da mãe, com o pai e a irmã.
2) A jovem Magda, aos quinze anos.
3) Os irmãos Magda, Carlos Vicente, João Carlos e Edna.
4) Há dez anos, tia Bebé e a sobrinha Magda.
5) Zezé, o casal Vinícius e Neide, os irmãos Magda e Carlos.
Apoio cultural:
“Nasci na rua da cadeia, na casa onde depois foi a bicicletaria do seo Geraldo Anchieta. Meus irmãos e eu nascemos pelas mãos da Piedade, uma parteira que morava depois da ponte do Taboão. Quando nasci, papai tinha uma barbearia no prédio do Vicente Casagrande, na avenida. No final de 1947, nos mudamos para a Rua Aparecida e a barbearia passou a funcionar num cômodo na frente de casa.
Minha mãe era costureira, desde seus treze anos. Ela usava duas chapeleiras com espelhos nas provas de roupas das freguesas. Até hoje, conservo uma delas comigo, Edna ficou com a outra. Meu pai herdou estas chapeleiras do pai dele, anteriormente, ambas ficavam na barbearia.
Papai era uma pessoa jovial e alegre. Quando solteiro, ele cantava nos encontros beneficentes da Sociedade Italiana, situada onde hoje é o Rotary. Ele foi muito companheiro dos filhos. Sempre fez questão de nos acompanhar aos bailes. Dançava a primeira e, muitas vezes, a última valsa comigo e com minha irmã.
Minha infância se resumia às brincadeiras no quintal, na rua, na Praça do Rosário ou debaixo dos pés de ipês. Em nossa rua havia muitas crianças. A gente costumava brincar de bandido e mocinho no barracão do Toninho Borges. No quintal, havia, também, jabuticabeiras, uma vez, caí de uma delas e fui carregada para casa. Eu era muito danada, estava sempre me machucando, mamãe vivia assustada comigo.
Por volta dos meus oito anos, calçaram nossa rua de terra com paralelepípedos. Seo Aníbal, prefeito, estava sempre acompanhando e fiscalizando a obra. Enquanto calçavam o trecho em frente determinada casa, o morador ficava responsável pelo lanche dos trabalhadores.
Aquilo era uma grande novidade pra criançada. Depois da escola, meus amigos e eu nos reuníamos para tapar o espaço onde, posteriormente, seria feito o meio-fio, com pedrinhas, que martelávamos com cuidado. Mesmo sendo brincadeira, era nosso jeito de participar. Um dia, ao atravessar uma tábua de madeira, caí no buraco onde seriam colocadas as manilhas, tirando um bife do pé.
Nossas brincadeiras habituais eram amarelinha, bola na parede, batatinha-frita, pular corda. Na casa dos Zaiat, as meninas - Leda, Sonia, Nesmar e Diana - faziam circo e chamavam as outras crianças para assistir. Como nossa turma era imensa, tivemos diversas casas para brincar.
Os amigos também se reuniam nas portas das lojas da Rua Aparecida. Só na minha casa havia duas portas comerciais, uma da barbearia, outra da Casa Trevo, mais conhecida por loja da Thereza, onde mamãe vendia armarinhos e outras miudezas.
Todo mundo gostava de tomar café sírio, sem coar, na loja do seo Habib, em frente à nossa casa, onde minha mãe comprou meu 2º sutiã, com espartilho e de cetim rosa. Naquele tempo as moças não experimentavam roupas íntimas nas lojas, mas nas suas próprias casas.
Um mundo bom
Com seis anos fiz o pré-escolar no Colégio Imaculada Conceição. Tia Bebé (Shirley) me levava, mas ela precisava ir embora pé ante pé, sem que eu percebesse. Eu era brava, não queria ficar no colégio de jeito nenhum.
Comecei o primário em 1953, no Grupo Barão de Guaxupé, que ocupava o mesmo prédio do Delfim Moreira. Fui aluna da dona Nilva Pinto, Ruth Lessa e Lila Lepiane. No primário comecei a gostar de estudar, a escola passou a ser um mundo bom.
No 3º ano, participei de um teatro da Branca de Neve, fui o esquilo. Minha mãe fez um belo rabo de tricô para mim. Lembro o cheiro do cipreste do cenário da peça, atrás do qual ficava o esquilo.
Adorava brincar no pátio da escola, onde participei de um bailado, como uma florista que dançava e cantava com uma cesta de flores, pra lá e pra cá. No pátio também aconteciam quadrilhas juninas, que eu adorava.
Em 1957, voltei para o colégio das freiras, onde concluí o ginasial e, em seguida, o curso normal. Uma vez, minha turma de normalistas teve um desentendimento sério com as freiras, todas as alunas entregaram as provas em branco. Combinamos que faríamos isso caso determinado conteúdo entrasse na prova. Minha mãe ficou bastante chateada com a situação, porque teve que comparecer ao colégio. Ela achava que eu deveria seguir as regras.
Dona Maria Luíza Magalhães foi nossa professora de ginástica e esportes. Eu era muito indisciplinada, gostava de fazer jogadas individuais no basquete. Gostava dos jogos de queimada e de saltos à distância. Não gostava das aulas de ginástica. Por volta dos treze anos, cheguei a ficar afastada dessas aulas por seis meses, sentia dor na hora das abdominais, não podia fazer esforço devido a uma ruptura de nascença no umbigo.
Os quitutes do Francischetti
As sessões do Cine São Carlos eram um encontro social, a gente se arrumava para ir ao cinema. Depois dos filmes, na praça do coreto, as moças davam voltas em um sentido e os rapazes em outro, para facilitar os flertes.
Meus tios Angelim e Antônia Francischetti tinham um boteco na esquina da nossa rua, onde depois foi o famoso Francischetti Lanches, dos primos Walter e Hélio. Eu era encantada com o pudim de farinha de trigo que eles faziam e colocavam na vitrine, cada pedaço separado do outro com papel manteiga.
Guardo a imagem nítida do tio Angelim furando figos para fazer doces. Também era louca pelas balas, Chita, Toffe, Déa... Por este motivo, ganhei do Walter um dos seus baleiros e, de quebra, o luminoso que ficava dentro do bar. Também me deu a receita do bolo com cobertura de doce de leite com coco que vendiam quando eu era pequena.
Uma vez, tia Antônia fez um caldeirão de coxinhas congeladas para eu levar para Brasília. Em 1999, quando retornei a Guaxupé, ia muito ao Francischetti. Difícil era comer um salgadinho só, Hélio sempre insistia pra eu comer mais um.
Quando meus tios fecharam o boteco, abriram uma sorveteria, na porta de cima, onde vendiam sorvetes mais sofisticados, como sundae e banana split. Minha paixão eram os picolés de salada de fruta. Tinha mais ou menos quinze anos, ficava escondida com o namorado, na esquina. Cida Miqueri, minha prima, assobiava quando meu pai abria o portão de casa, e eu corria para a sorveteria fingindo estar lá.
Uma trabuzana na roça
Em 1964, com o diploma de normalista, passei no concurso estadual para professor. Fui chamada para lecionar na Escola Cardosos, uma sala de 1ª à 3ª série, situada na fazenda do seo Otávio Barbosa, um grande amigo da escola. Ele me dava carona, ensinava os alunos a plantar café. Uma vez, durante a hora cívica, não havia bandeira do Brasil para ser hasteada. Seo Otávio chegou atrasado, mas a tempo, com uma bandeira confeccionada por minha mãe.
Eu ficava hospedada na casa da dona Josina, caseira da fazenda. Vinha para Guaxupé todo final de semana. Para ir e voltar, pegava carona com seo Otávio, com o caminhão de leite do seo Alabarce. Às vezes, com seo Luís Borges que levava as professoras até São Pedro da União. Ele me deixava na encruzilhada, onde um aluno, José Luís Vilas Boas, me esperava e me acompanhava, a pé, pelo resto do caminho.
Aprendi muito com essa experiência. Ensinei as crianças que não tinham recursos para comprar lápis de cor, a pintar com flores e folhas coloridas, que esmagadas soltavam cor. Eu apanhava para decifrar certas palavras que os alunos escreviam nas redações. Pedia para dona Josina me ajudar. Uma vez um escreveu ‘invinha uma tribuzana de chuva’. Demorei a descobrir que trabuzana era o mesmo que temporal. Meus alunos fizeram um levantamento com seus pais sobre o vocabulário próprio do lugar. Fomos corrigindo hábitos errados, como trocar guarita por gurita.
Em 1966, comecei a estudar Matemática, na Fafig, mas logo mudei para Pedagogia. Em 1967, fui transferida para o Parque Infantil, com ajuda do seo Romis Nicolau, que era muito ligado a José Maria Alckmin, do governo de Minas.
Estudei por quase nove anos piano com dona Edméa Zerbini. Em 69, fiz preparação para o conservatório com professores do Carlos Gomes, em São Paulo. Nessa época, cheguei a estudar piano dez horas por dia. Mas acabei não dando continuidade, pois me mudei para Brasília após minha formatura na faculdade, em janeiro de 1970.
Carreira educacional em Brasília
Conheci Brasília em 1963, com tia Bebé, Edna e mamãe, numa visita a tio Napoleão, um pioneiro na capital brasileira. Em 1968, Edna se casou e se mudou para lá. Minha monografia para conclusão de curso foi sobre Tropicalismo, dentro da cadeira de Cultura Brasileira, do professor Elias José.
Minha irmã, que dava aulas na escola experimental de 2º grau da UnB, me indicou algumas pessoas do departamento de música para me auxiliarem na pesquisa da monografia. Este contato com a parte acadêmica e cultural do distrito federal favoreceu minha mudança.
Quando cheguei a Brasília, passei no vestibular para o Instituto Básico de Artes da UnB. Fiz dois anos de Música e três anos e meio de Arquitetura. Estudava de manhã, trabalhava à tarde e à noite. Não cheguei a concluir o curso, pois fiquei esgotada com o ritmo puxado.
Simultaneamente, fui aprovada em dois concursos, um para lecionar em escola particular, outro, em escola pública. Passei nos dois. Comecei a trabalhar na particular, na 1ª série do primário, mas logo fui chamada para dar aulas pela Fundação Educacional numa escola em Taguatinga, depois, como assistente de direção em Gama, cidades-satélites de Brasília.
Em seguida, fui chamada para a administração central, onde passei a fazer serviços técnicos. Em 1972, passei no concurso para inspetor de ensino da Secretaria de Educação, o único específico dessa área realizado em Brasília até hoje.
Em 1975, meus pais e os gêmeos se mudaram para Brasília. Desde 1972, eles me visitavam com frequência. Ficamos morando todos juntos. Em 1978, meu pai faleceu e, mamãe, dez anos depois.
O trabalho foi um eixo fundamental na minha vida. Mas nunca deixei de lado as atividades culturais. Na universidade sempre aconteciam eventos artísticos, como concertos e shows. Eu não perdia nada. Teve uma época em que a vida cultural de Brasília foi muito pobre, somente em meados da década de oitenta começou a melhorar.
A partir de 1979, comecei a viajar mais. Em todas as férias eu ia para alguma praia do Nordeste, Espírito Santo ou Rio para relaxar e paquerar.
Em 1986, com um grupo de técnicos em Educação, tanto do DF quanto do MEC, fundamos uma associação para lutar pelos interesses da nossa categoria. Fizemos várias sugestões para a Constituição de 1988. Uma das aprovadas foi a licença maternidade para mães adotivas.
Temporariamente sozinha
Em 1994, logo após minha aposentadoria, comecei a participar de um grupo de Psicanálise, indicado por um colega de trabalho que, também, foi meu namorado e companheiro durante sete anos.
Em 1999, já estava apta a clinicar, mas decidi voltar para Guaxupé. Havia iniciado uma reforma na antiga casa dos meus pais, na Rua Aparecida, e quis acompanhar, pessoalmente, meu projeto de restauração. Também queria estar mais perto da tia Bebé, que andava sentindo-se muito sozinha e com a saúde abalada.
Colaborei com a Casa da Cultura na execução do 1º Aconteceu em Guaxupé, Reviva!, em 2009, e no planejamento institucional da gestão 2010/2012. Planejo voltar para Brasília, que não visito há mais de um ano. Sempre fui muito participante da vida dos meus sobrinhos. Mesmo à distância, mantemos contato constante.
Antes, eu lia seis horas por dia, atualmente, nem duas. Todo dia caminho com minha tia. Nos finais de semana tenho mais tempo livre. Assisto a concertos de música pela TV, escuto meus discos. Digo que estou temporariamente sozinha.”
Há três anos, toda semana, Magda participa de leituras do Evangelho com um grupo espírita. Segundo ela, mais que religioso, é um exercício cristão. Como pessoa interessada na Psicanálise, ela não pode se fechar a uma única visão.
Fotos:
1) A pequena Magda no dia do batismo, no colo da mãe, com o pai e a irmã.
2) A jovem Magda, aos quinze anos.
3) Os irmãos Magda, Carlos Vicente, João Carlos e Edna.
4) Há dez anos, tia Bebé e a sobrinha Magda.
5) Zezé, o casal Vinícius e Neide, os irmãos Magda e Carlos.
Apoio cultural:
Comentários
Eu não sabia que você tinha feito toda essa revelação real sobre nosso passado! Tem até acontecimento que eu não tinha conhecimento!!!
Carcente
Dei uma busca por parentes (meu tataravô e bisavó) com sobrenomes "Francischetti", mas não imaginei que esse sobrenome tinha sobrevivido!